Como viver com um estoma
Um estoma é a abertura criada através de um procedimento cirúrgico, cujo objetivo será criar um trajeto entre uma víscera oca e o exterior, podendo ser permanente ou temporário. “Um estoma realizado sobre a traqueia será designado traqueostoma e a sua função será garantir a respiração do doente, mas, se for no abdómen, poderá ser para permitir a alimentação da pessoa (gastrostomia) ou para a eliminação de fezes ou urina (colostomia, ileostomia ou urostomia)”, explica Rosário Correia, enfermeira estomaterapeuta da consulta de enfermagem de estomaterapia no Hospital Lusíadas Lisboa.
As causas
Há vários motivos que podem levar à realização de um estoma, por exemplo:
- Tumor do estômago (gastrostomia), do cólon e do reto (ileostomia, colostomia) ou da bexiga (urostomia)
- Doenças renais (nefrostomia)
- Doença inflamatória intestinal complicada (por exemplo, diverticulite, colite ulcerosa, doença de Cronh
- Infeção abdominal grave (peritonite
- Oclusão intestinal grave
- Situação traumática, resultante, por exemplo, de um acidente
- Uma malformação congénita, como, por exemplo, a atrésia anal
Uma ostomia pode ser temporária ou definitiva, mas, dados os avanços da ciência, é cada vez mais comum tratar-se de uma situação provisória.
Apenas em alguns casos é definitiva, dependendo do problema que lhe dá origem. “Por exemplo, temos tumores do canal anal e do esfíncter anal que levam a uma colostomia definitiva, pela localização do tumor (região terminal do intestino) ou até mesmo quando o esfíncter já não é eficaz, ou seja, já existe uma incontinência irreversível”, explica Rosário Correia. O mesmo sucede nos tumores da laringe que impliquem a remoção deste órgão, uma vez que o estoma passará a assegurar a função respiratória da pessoa.
Os tipos de estoma
Existem três tipos de estoma: os respiratórios, os de alimentação e os de eliminação.
- Os respiratórios asseguram a via respiratória da pessoa.
- Criados normalmente em caso de tumor no estômago ou esófago, os estomas de alimentação permitem que a pessoa se alimente em caso de obstrução do tubo digestivo. “Realiza-se uma gastrostomia para alimentar a pessoa através de uma sonda específica para o efeito.”
- Os estomas de eliminação intestinal e urinária permitem a eliminação das fezes e da urina, em casos de obstrução ou por uma determinada patologia.
Um estoma é doloroso?
“O estoma não é doloroso, uma vez que não tem terminações nervosas, sendo que um dos cuidados ensinados à pessoa ostomizada será para ter cuidado com a água muito quente, uma vez que poderá provocar uma queimadura e não sentir”, diz a enfermeira.
A recuperação
A recuperação dependerá sempre de vários fatores, como as características da pessoa em causa e o tipo de intervenção cirúrgica.
Seja como for, há avanços da ciência que permitem que a recuperação da pessoa seja mais rápida. “Atualmente, as técnicas cirúrgicas são cada vez menos invasivas, de forma a facilitar o pós-operatório e a torná-lo menos doloroso”, afirma a especialista. Por exemplo, “a alimentação é introduzida muito mais rapidamente bem como o levante do doente, com vista ao seu restabelecimento e consequente alta para o domicílio, o mais precocemente possível.”
Ainda assim, uma ostomia tem um impacto grande na autoimagem da pessoa com repercussões na sua qualidade de vida, devendo, por isso, fazer-se uma preparação, ainda em fase de pré-operatório, para este processo. “O que está preconizado é a realização de uma consulta de enfermagem de estomaterapia no período pré-operatório que procura desmistificar os medos do doente e família, bem como realizar a marcação do estoma, simular uma substituição de dispositivos, ou seja, tentar que as coisas sejam o mais simples possível, com vista a uma melhor qualidade de vida após a cirurgia”, esclarece, referindo que será necessário, a intervenção de uma equipa multidisciplinar, composta por médicos, enfermeiros, nutricionistas, entre outros.
Cuidados a ter
Uma vez realizada a cirurgia, há vários cuidados a ter com a pele e com o estoma. “O enfermeiro estomaterapeuta ajuda a escolher os dispositivos e acessórios mais adequados para a pessoa, tendo em atenção vários aspetos, como por exemplo, a acuidade visual e auditiva, a destreza manual da pessoa em causa e o tipo de estoma”, diz Rosário Correia.
Cabe ainda ao enfermeiro estomaterapeuta ajudar a escolher um dispositivo que permita um bom aparelhamento, ajustando com cuidado a placa que irá colar “na pele da pessoa com estoma e evitando as fugas de efluente”.
Há ainda outros cuidados a ter, como por exemplo:
- Observar a cor do estoma, que deve ser rosado, uma vez que se trata de uma zona rica em vasos sanguíneos
- Limpar a pele em volta do estoma com água e sabão com ph neutro
- Evitar a utilização de cremes ou pomadas uma vez que impossibilitam a adesividade da placa na pele ou produtos com álcool (por exemplo sabonete liquido perfumado) que possam irritar a pele periestomal
- O recorte da placa deve ser avaliado com cuidado, uma vez que um recorte muito largo provoca maceração da pele
- A pele deve ser observada sempre que se troque o saco, prevenindo situações de maceração da pele e atuando na mesma, o mais precocemente possível
- Esvaziar ou trocar o saco quando estiver com cerca de 1/3 de sua capacidade
Os enfermeiros ensinam a pessoa ostomizada — ou o seu cuidador — todos estes cuidados, de forma a que possa ser independente no seu dia a dia.
A consulta de enfermagem de estomaterapia do Hospital Lusíadas Lisboa
No Hospital Lusíadas Lisboa, existe uma consulta de enfermagem de estomaterapia, que tem início na fase que antecede a intervenção cirúrgica (a partir do momento em que é realizada em consulta uma proposta operatória, com necessidade de realização de um estoma), continuando no pós-operatório e depois da alta.
“Após a cirurgia, vamos ao internamento e iniciamos o processo de preparação para a alta. Realizamos ensinos sobre cuidados com o estoma e pele periestomal, de forma a preparar a pessoa para o autocuidado. Quando sai do Hospital, a pessoa leva o material que necessita e tem conhecimentos para o usar”, explica Rosário Correia. Depois da alta, a equipa de enfermagem realiza o telefonema de acompanhamento, que tem lugar até 72 horas depois, e é posteriormente seguida em consulta.
De forma a promover a reintegração social, são abordados em consulta de enfermagem temas como a prática de exercício físico, sexualidade ou mesmo uma ida à praia, de acordo com a disponibilidade psicológica da pessoa. “O objetivo é que a pessoa, com o tempo, vá aceitando esta nova condição de saúde e não se isole. Não é fácil pensar no tema da sexualidade, por exemplo, ou em viagens e idas à praia, mas, com a nossa abordagem, podem adaptar-se o melhor possível à sua nova situação.”
Colaboração:
Rosário Correia, enfermeira estomaterapeuta da consulta de enfermagem de estomaterapia no Hospital Lusíadas Lisboa