Terapêutica Endoscópica da Obesidade: o que é e quem pode fazer
A obesidade é um problema de saúde pública, que se traduz no excesso de gordura acumulada no corpo, capaz de originar diversas patologias. A prevalência em Portugal é muito substancial: de acordo com um estudo "O Custo e Carga do Excesso de Peso e da Obesidade em Portugal", divulgado em outubro de 2021, 67,6% da população portuguesa tem excesso de peso ou obesidade, sendo que 28,7% são mesmo obesos. A investigação indica ainda a mortalidade na origem desta condição: em 2018, foram sinalizados 46 269 óbitos causados por patologias relacionadas com a obesidade, valor que representa 43% das mortes ocorridas em Portugal continental nesse ano.
A obesidade pode ser avaliada com recurso ao valor de Índice Massa Corporal (IMC):
- Excesso de peso, IMC entre 25 e 29.9kg/m2
- Obesidade grau 1, IMC entre 30 e 34.9kg/m2
- Obesidade grau 2, IMC entre 35 e 39.9kg/m2
- Obesidade grau 3, IMC superior a 40 kg/m2
"Temos de olhar para obesidade como uma doença. Há uma série de patologias que estão associadas a esta condição, que diminuem a qualidade de vida e que aumentam o risco de mortes prematuras. A obesidade gera problemas cardiovasculares, que são a principal causa de morte em Portugal, potencia o risco oncológico e ainda o aparecimento de diabetes”, diz David Martins Serra, Gastrenterologista e Coordenador do Novo Centro de Endoscopia Avançada do Hospital Lusíadas Lisboa. “Isto não é só uma questão estética. Isto é uma questão de saúde pública”.
O especialista recorda ainda as consequências do excesso de peso nas infeções por COVID-19. “A maior parte das pessoas com menos de 50 anos que morreram com COVID-19 eram obesas. É o principal fator de risco para a morte por COVID-19.”
O que é uma gastroplastia endoscópica?
Realizada por via endoscópica (procedimento no qual se insere um tubo fino na boca, que vai até ao estômago), a gastroplastia endoscópica é a terapêutica endoscópica da obesidade mais inovadora e que apresenta excelentes resultados de perda de peso — podendo levar a uma diminuição até 60% do excesso de peso .
“É a alternativa minimamente invasiva que preconizamos como prioritária. Apesar de existirem poucos centros a realizarem este procedimento em Portugal, tem apresentado resultados muito positivos a nível internacional, com um critério de longevidade muito superior face ao balão intragástrico.”
Em que consiste mesmo este método? “É realizado através de endoscopia , utilizando o Método Apollo, que permite realizar uma cirurgia a partir do interior do estômago”, explica. “Reduzimos o tamanho deste órgão, suturando-o e transformando-o numa bolsa mais pequena.”
Como resultado deste tamanho mais reduzido, o estômago passa a ter uma menor capacidade de armazenamento: “Diminuímos a sua capacidade de volume, fazendo com que a pessoa coma menos, aumentando, em simultâneo, o tempo da sua digestão, que se torna mais prolongada — o que se traduz em menos vontade de comer”, explica o especialista. “Se a nossa digestão terminar ao fim de duas horas, ficamos com vontade de comer. Se ela durar cinco a seis horas, temos, durante esse período, uma sensação de saciedade.”
Em termos de resultados, os estudos internacionais mostram uma perda de peso média de cerca de 15% ao fim de um ano e de cerca de 20% ao fim de dois anos, diz David Serra.
Disponível há já vários anos, o balão intragástrico é também uma opção, apesar de ser menos vantajosa. Consiste na introdução de um balão dentro do estômago, que é depois preenchido com 500 a 700 centímetros cúbicos de soro. “O balão permanece dentro do estômago durante entre seis meses a um ano a ocupar volume e a diminuir a capacidade de armazenamento. Ajuda a pessoa a perder peso, porque aumenta a saciedade precoce, o que faz com que se coma menos.”
Apesar de apresentar resultados na perda de peso, este balão intragástrico apresenta alguns obstáculos: “Quando retiramos o balão, é frequente as pessoas voltarem a ganhar peso”, explica David Martins Serra. “Hoje, ainda optamos por esta solução, mas em circunstâncias específicas: nos superobesos, por exemplo, em que estamos perante uma situação em que a pessoa precisa de perder 20 ou 30 quilos antes de poder ser operada. Aí, como não é um método definitivo — há um objetivo específico — existe indicação para a colocação do balão intragástrico, bem como em situações selecionadas de obesidade tipo 1 e 2.
As vantagens da gastroplastia endoscópica
Ao contrário do balão intragástrico, que só pode permanecer no estômago durante, no máximo, um ano, a gastroplastia endoscópica não tem prazo de validade — apesar de ser expectável que, ao fim de dez ou vinte anos, o estômago volte a dilatar um pouco.
A conjugação de todos estes fatores, resulta numa perda de peso “mais eficaz e mais duradoura, com a vantagem de que nesta abordagem minimamente invasiva, não são necessárias incisões”, explica. “Por isso, o tempo de recuperação é mínimo. A pessoa fica um dia no hospital e tem alta no dia seguinte, podendo seguir com a sua rotina normal.”
A taxa de possíveis complicações no decorrer do procedimento é baixíssima, “na ordem dos 1-2%”, tornando a gastroplastia endoscópica numa opção muito “segura”.
“É um procedimento muito seguro, muito eficaz e não invasivo. São as três grandes vantagens”, sublinha o especialista. No pós intervenção , não é necessário a ingestão de suplementos nutricionais , pois a absorção do tubo digestivo mantém-se inalterada.
Para quem é indicada a terapêutica endoscópica de obesidade
“Este método é particularmente indicado para os obesos que têm um índice de massa corporal de entre 30 e 39 kg/m2. Acima desse valor, a indicação já é para outras cirurgias, como o bypass gástrico”, indica o especialista, fazendo a ressalva de que existem exceções.
Há pessoas com IMC acima dos 40 que, não querendo fazer a cirurgia convencional, ou apresentando contraindicações para a mesma, podem ter indicação para a terapêutica endoscópica da obesidade. “A equipa multidisciplinar reúne-se e analisa caso a caso.”
O motivo que limita este procedimento a obesos de classe 1 e 2 prende-se com os resultados: “A perda de peso necessária [há pessoas que precisam de perder 80 quilos, por exemplo] não vai ser atingida com este método, tendo indicação para realizar o bypass gástrico.”
Contraindicações
Além do critério relacionado com a percentagem de massa gorda, há outros aspetos que têm de ser considerados para a realização da terapêutica endoscópica da obesidade: a pessoa não tem pode ter lesões no estômago (como, por exemplo, uma hérnia do hiato maior que 5 centímetros, uma úlcera gástrica, varizes esófago/gástricas ou doença oncológica esófago/gástrica), não deve ter doenças que alterem a coagulação, ser maior de idade, não estar grávida e não ter associada nenhuma patologia psiquiátrica.
Da primeira consulta à gastroplastia endoscópica
O primeiro passo para a realização da gastroplastia endoscópica é a marcação de consulta para Terapêutica Endoscópica da Obesidade.
“A pessoa vem à consulta, é-lhe explicado o método, quais são os critérios para a sua realização, as condicionantes, as necessidades e os resultados expectáveis”, explica o especialista. “Depois, o médico indica se a pessoa tem ou não indicação para ser submetida a este método.”
Posteriormente o seu caso é avaliado na equipa multidisciplinar da obesidade, responsável por, primeiro, garantir que a gastroplastia é o método indicado para a pessoa em estudo, depois, por assegurar todo o apoio necessário no decorrer do processo e após a intervenção.
“A pessoa é avaliada pela equipa de Nutrição, por um Endocrinologista e/ou Internista, bem como por um Psicólogo. “São critérios obrigatórios , é o caminho que todos os candidatos percorrem.”
Se a avaliação for positiva, a pessoa regressa ao gastrenterologista e faz o agendamento da sua cirurgia. É, depois, admitida na unidade de saúde no dia da intervenção, tendo alta no dia seguinte.
“Antes de ter alta, a pessoa leva um plano alimentar personalizado para as três semanas seguintes, em que há restrições alimentares, podendo apenas ingerir líquidos, de forma a não afetar as suturas realizadas no estômago.”
De acordo com David Martins Serra, o recomendado é que a pessoa faça avaliações regulares com a equipa multidisciplinar por um período de, no mínimo, dois anos.
“O que recomendamos é que mantenha uma avaliação nutricional e multidisciplinar dentro da equipa, estando provado que esta continuidade de acompanhamento personalizado potencia a perda de peso ao longo do tempo”, diz.
“Há sempre o risco de a perda de peso não ser a planeada, como em qualquer intervenção bariátrica”, alerta o especialista. “O que nós queremos é que a pessoa aproveite esta intervenção para mudar os hábitos de vida , quer alimentares , quer de prática de exercício físico, de forma a manter de forma duradoura a perda ponderal. Se não mudar o estilo de vida, corre sempre o risco de no futuro voltar a ganhar peso.”
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Revisão Científica
Dr. David Martins Serra
Coordenador da Unidade de Gastrenterologia