Consulta pós-COVID: a recuperação depois da doença
Nem sempre um teste negativo à COVID-19 é sinónimo de cura. Há muitos pacientes que não se restabelecem após o fim da doença, apresentando uma série de sintomas que, em alguns casos, podem até tornar-se crónicos. “Mesmo após a infeção aguda e após deixarmos de estar a correr o perigo de contagiar terceiros, podemos ter uma doença que ainda não sabemos quando termina”, segundo a Unidade de Medicina Geral e Familiar do Hospital Lusíadas Lisboa.
Ao fenómeno dá-se o nome de síndrome pós-COVID e o seu acompanhamento pode (e deve) ser feito junto de especialistas. Foi para responder a esta importante necessidade que a Lusíadas desenvolveu em todas as unidades, de norte a sul do país, a consulta pós-COVID. “O acompanhamento pós-COVID é multidisciplinar, com intervenção de várias especialidades que se complementam no estudo de cada doente e que são chamadas a ajudar de acordo com os sinais e sintomas manifestados”, adianta.
Doença e pós-doença
Identificada no fim de 2019, a COVID-19 espalhou-se em poucos meses por todo o mundo, transformando-se numa pandemia, que gerou uma enorme crise de saúde pública com repercussões que afetaram transversalmente a vida em sociedade. É provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, na origem de um quadro de sintomas muito variado: parte da população fica assintomática, outra parte apresenta sintomas leves e outra desenvolve sintomatologia grave, com “necessidade de cuidados especializados e até suporte ventilatório”, resume.
Mas não só. Ao longo dos últimos meses, a comunidade médica apercebeu-se de que os efeitos da COVID-19 podem suplantar o tempo de presença do vírus no organismo, tendo-se verificado que um terço dos doentes não voltava ao estado normal após o fim da doença. “Identificámos uma nova face da doença COVID: a síndrome pós-COVID”, de acordo com a Unidade de Medicina Geral e Familiar.
Ou seja, já sem o vírus, este grupo de pessoas apresentava sintomas que impediam o regresso a uma vida normal. “Mesmo após a infeção aguda e após deixarmos de estar a correr o perigo de contagiar terceiros, podemos ter uma doença que ainda não sabemos quando termina.”
A Unidade destaca que esta síndrome não está relacionada com a gravidade da doença inicial. Ou seja, doentes com uma sintomatologia leve podem vir a ter sintomas graves na fase pós-COVID. Todavia, o mais frequente são os doentes com doença covid mais grave manifestarem um síndrome pós-Covid ou long-Covid mais intenso. “Hoje, com a vacinação e também com as atuais estirpes, verificamos que a doença covid é mais ligeira e consequentemente também o pós-COVID assim o é.”
Causas e sintomas
A síndrome pós-COVID está associada a uma reação exacerbada do sistema imunitário, em que a resposta inflamatória ao vírus acaba por afetar todo o organismo. Entre outros efeitos, essa resposta pode levar “à redução do oxigénio nos órgãos”, especifica.
Desta forma, a doença “manifesta-se de forma variada, podendo ser muito incapacitante.” Pode atingir vários órgãos e tecidos: desde o coração, aos pulmões, músculos, sistema nervoso central, pele ou aparelho gastrointestinal.
Também aqui a sintomatologia é variada: dores musculares e articulares, dor abdominal, dor torácica, cansaço respiratório ou cardíaco, arritmias, cefaleias, erupções cutâneas, tosse crónica, desequilíbrio da marcha, alterações sensitivas, alterações da concentração e da memória, do padrão do sono, do humor e do comportamento ou gastrointestinais. Estes sintomas não são explicados por outra condição médica apresentada previamente pelo doente.
Consulta pós-COVID
A consulta pós-COVID, disponível em todas as unidades Lusíadas, vai ao encontro de uma tendência mundial dos centros médicos e é resultado da necessidade de resposta para estes efeitos colaterais — que são ainda alvo de investigação médica e científica — do coronavírus SARS-CoV-2.
É recomendada aos doentes que tenham estado infetados com a COVID-19 que apresentem os mesmos ou novos sintomas quatro semanas após terem tido um teste negativo ou alta clínica.
A consulta pós-COVID passa por várias fases. A primeira consiste numa avaliação junto de um médico (pode ser feita de forma virtual) em que é analisado o estado do doente. Através de inquéritos abrangentes, que resultam numa história clínica, o doente deverá realizar depois uma série de exames. Numa segunda consulta, que já pode ser presencial e em que o médico já tem consigo o resultado dos exames, faz-se uma avaliação da evolução da doença, encaminhando-se, então, o doente para as áreas especializadas.
Uma avaliação holística
A primeira fase da consulta pós-COVID deve ser realizada por um médico especializado em Medicina Geral e Familiar, uma vez que é esta a “especialidade que centra em si uma visão holística de cada doente, integrando os seus antecedentes pessoais, familiares, e o seu contexto bio-psico-sócio-económico”
A história clínica do doente passa por quatro pontos:
• A caracterização da doença COVID (a gravidade dos sintomas, a duração da doença, se esteve hospitalizado e que impacto psicológico esse internamento teve);
• A caracterização dos sintomas pós-COVID (se são os mesmos que teve durante a doença ou se são novos);
• A identificação da história de saúde do doente (se tinha doenças pulmonares, cardíacas, diabetes e qual o seu estilo de vida);
• A identificação de familiares em risco, que tenham estado infetados com COVID-19 e que também apresentam queixas que podem estar relacionadas com a síndrome pós-COVID.
É a partir desta história clínica, e dependendo de uma sintomatologia mais leve ou mais grave, que o médico segue um protocolo já estipulado de análises e exames aos órgãos afetados, que é aplicado ao doente.
Na avaliação seguinte, consoante a evolução da doença e os resultados dos exames, pode ser encaminhado para uma ou várias consultas como Pneumologia, Cardiologia, Medicina Interna, Psiquiatria, Neurologia, Medicina Física ou Reabilitação. Se entre estes dois momentos, já tiver melhorado e já não apresentar sintomas, terá alta médica.
É assim, a partir de um tratamento individualizado e de um olhar amplo e multidisciplinar, que a Medicina tenta dar a melhor resposta possível. O estudo da síndrome pós-COVID arrancou recentemente e o fator tempo será sempre fundamental para que na ciência se atinjam as metas pretendidas. “Se vamos conseguir controlar e tratar todos os doentes com síndrome pós-COVID só o tempo e a ciência nos darão essa resposta.” Ainda assim, “o que temos assistido é que, a maior parte dos doentes com síndrome pós-COVID têm uma franca melhoria e a maior parte dos sintomas estão revertidos e resolvidos nos primeiros 12 meses.”