As pistas que a criança dá quando precisa de atenção
Quais são as causas mais comuns para que os pais possam não estar a dar a atenção necessária aos filhos?
O facto de na maioria das famílias ambos os progenitores exercerem uma atividade laboral condiciona, necessariamente, o tempo disponível para os filhos. Por outro lado, os tempos letivos prolongados que atualmente se verificam, a generalização dos “trabalhos para casa” e a frequência, sobretudo nos centros urbanos, de diversas atividades extracurriculares, contribuem de forma acrescida para que a família veja o seu tempo realmente livre francamente limitado.
Qual é o impacto, na criança, desse comportamento dos pais?
Uma criança que sente reiteradamente que os pais não lhe dão a atenção de que precisa acha que estes não se interessam por ela e/ou pelos seus interesses, e que isto acontece porque não é suficientemente boa para merecer a sua atenção. Isto gera, obviamente, sentimentos de menos-valia e o subsequente desenvolvimento de uma baixa autoestima, com todas as consequências que lhes estão inerentes.
Quais podem ser as consequências a longo prazo?
São inúmeras e de ordem diversa, naturalmente na dependência do grau de privação a que a criança é sujeita. Estas crianças são emocionalmente carentes, geralmente mais tristes e mais apáticas, com tendência ao isolamento. Outras podem manifestar essa carência evidenciando agressividade, dirigida aos pais mas também a pares, professores e outras pessoas de referência - apresentam dificuldades nos relacionamentos interpessoais em geral.
Por outro lado, a falta de atenção parental gera a ausência de referências, de valores fundamentais a um neurodesenvolvimento saudável, nos diversos domínios, que passam a ser procurados noutros ambientes, como amigos, media, entre outros.
Frequentemente esta procura ocorre na ausência de capacidade crítica, tornando a criança vulnerável a influências nefastas ao seu adequado neurodesenvolvimento. Há uma maior probabilidade de desenvolvimento de comportamentos de risco.
Sabe-se que o sucesso académico destas crianças e adolescentes é geralmente menor do que o que o seu potencial cognitivo permitiria. Na adolescência poderá haver uma procura precoce de relações amorosas, por exemplo, com todos os riscos daí inerentes. A longo prazo os estudos referem a tendência para um menor nível académico, com menor sucesso laboral subsequente. Há também maior risco de disfunção familiar na vida adulta.
Quais os sinais de alarme mais comuns que demonstram que as crianças sentem falta da atenção dos pais?
Não existe uma manifestação específica desta situação. Existem, igualmente, diversos aspetos – que poderão também traduzir outras problemáticas – mas que são sempre indicadoras de que algo não está bem com a criança. Uma vez mais dependem da sua idade.
Nos mais pequenos, birras excessivas e desadequadas à idade, bem como agressividade (auto ou heteroagressividade), constituem frequentemente formas de chamada de atenção aos pais. Se pensarmos um pouco percebemos que não é incomum que as crianças recebam maior atenção quando estão a ter comportamentos desajustados, incorretos: quando uma criança se porta mal, os pais vão parar o que estão a fazer para a repreender; ao fazê-lo, estão a dar à criança a atenção que procurava e, por essa via, a reforçar positivamente o mau comportamento que pretendiam extinguir...
Isolamento, pouca curiosidade e escassa interação com o meio, assim como alterações do sono e do comportamento alimentar habitual, deverão também ser motivo de alerta para os pais, bem como comportamentos de insegurança, como querer dormir com os pais e não querer separar-se deles. O desenvolvimento de medos excessivos pode também ser um sinal de que a criança sente a falta da atenção dos pais.
Em crianças mais velhas e adolescentes, estes sintomas podem também estar presentes, mas também uma dependência exagerada das redes sociais deverão alertar os pais. A diminuição do rendimento académico e o desenvolvimento de comportamentos de risco deverão ainda constituir um sinal de alarme para os progenitores.
Como é que os pais devem atuar perante esses sinais?
A atuação dependerá, naturalmente, da circunstância. Em todas, contudo, disponibilizar tempo à criança, em exclusivo: estar com a criança “a 100%”, conversando com ela, dizendo-lhe o quão importante ela é para si, é fundamental. Poderão começar por lhe dizer que sentem que estão pouco tempo com ela e como o lamentam, e envolvê-la na definição de estratégias para minorar o problema.
Em crianças mais novas, medidas simples como pedir-lhes ajuda na execução de pequenas tarefas domésticas que precisam de ser realizadas, mas podem ser feitas em conjunto: por exemplo, fazer a cama com a ajuda de uma criança pequena pode demorar um ou dois minutos mais, mas nesse período poderão conversar sobre o que se passou na escola ou sobre algo que interesse a criança, melhorando as suas competências linguísticas, diminuindo o tempo de ecrã, promovendo a sua autonomia e simultaneamente demonstrando o interesse que têm nela e nas suas atividades, ainda que existam tarefas que têm que ser feitas; as refeições em família devem ser privilegiadas, sem ecrãs, proporcionando um momento de interação com a criança.
O momento antes de dormir também deve ser especial, e neste âmbito a leitura em conjunto de uma história ou de um livro é muitíssimo útil. Brincar com a criança (ouvi-la, colocar-lhe questões sobre os seus interesses, sobre os seus amigos, realizar atividades em conjunto, rebolar no chão...), mas fazê-lo plenamente – sem estar “com o olho” na TV, email ou numa qualquer rede social – seguindo as suas sugestões de brincadeira e propondo atividades prazerosas que vão de encontro aos interesses da criança, ainda que por dez ou quinze minutos apenas por dia, podem fazer uma grande diferença.
O chamado tempo de qualidade é muito importante?
Nunca é demais salientar a importância do tempo de qualidade: quando os pais estão supostamente a brincar com a criança ou a conversar com o adolescente mas não largam o telemóvel estão, além de dar um mau modelo, a transmitir-lhe a ideia de que o gadget é mais importante e/ou interessante do que ele/ela. Só a atenção individual a uma criança ou adolescente permite aos pais saberem o que realmente pensa e sente acerca das coisas e do que realmente gosta, e só desta forma poderão ajudá-lo(a) a alcançar os seus objetivos.
Ouvir a criança/adolescente, conversar com ele(a) fá-lo(a) sentir-se importante, sentir que é compreendido(a) e sentir-se seguro(a). Este hábito mantém um canal de comunicação aberto a longo prazo, e é fundamental para um neurodesenvolvimento saudável.
Estas medidas, simples e exequíveis mesmo quando ambos os progenitores trabalham intensivamente, melhoram por si só a relação e a cumplicidade dos pais com os filhos, aumentando a autoridade parental, criando modelos positivos, tornando a criança mais segura e confiante, com melhor autoestima e maior tolerância à frustração, melhorando o seu desempenho académico e social.
Existem situações em que seja aconselhável procurar ajuda?
Em situações mais graves, a família poderá não ser capaz de, por si só, encontrar e implementar estratégias para a resolução da problemática, sendo importante procurar ajuda. O pediatra e o médico de família poderão orientá-los para os recursos disponíveis que melhor se adeqúem à situação, que poderão incluir o pediatra do neurodesenvolvimento, o psicólogo, o pedopsiquiatra, o psiquiatra e/ou uma terapia familiar.