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Obesidade infantil: o que é e a importância de estar alerta

A obesidade infantil não é um problema de crianças, mas sim dos pais e da sociedade. Para acabar com ela, todos temos de agir o mais cedo possível e em bloco.

"A obesidade infantil continua a ser uma doença subdiagnosticada", afirma Margarida Lobo Antunes, pediatra e diretora clínica do Hospital Lusíadas Lisboa. "Olhamos à nossa volta e temos muitos miúdos com excesso de peso ou obesos e os pediatras ou os médicos de família continuam a não olhar para isso", continua a especialista em obesidade e prevenção de doenças cardiovasculares. Nem sempre é uma situação desconhecida da família, mas "tenho muitos miúdos que vejo pela primeira vez em consultas de rotina e nunca ninguém lhes calculou o IMC (Índice de Massa Corporal).

Às vezes, os pais já sabiam que o filho tinha excesso de peso mas a pediatra nunca falou disso". Em 2010, a Direção Geral de Saúde adotou novas tabelas de avaliação do crescimento infantil e incluiu o referencial de IMC, diferenciados consoante a idade e o sexo. "É esta a referência que usamos quer do ponto de vista de rastreio, quer em consulta. É uma maneira relativamente rápida e fácil de fazer o diagnóstico".

Obesidade infantil: o problema começa no berço

Alguns casos de crianças com excesso de peso começam ainda na gravidez da mãe devido ao tipo de alimentação seguido por esta, ao excesso de peso ganho durante os meses de gestação, ou à obesidade já instalada. "A prematuridade pode funcionar também como um fator de risco, pois a recuperação do metabolismo do bebé prematuro é um pouco diferente dos que nascem no termo certo. Por isso, têm mais riscos de desenvolver obesidade", revela.

Nos primeiros meses de vida, há outros condicionantes: "não privilegiar o aleitamento materno faz com que as crianças tenham maior risco de ser obesas. É claro que o leite adaptado está estudado e tem menor teor proteico do que há cerca de 20-30 anos, ainda assim, não é o leite materno."

Quando a gordura é herança de família

A "culpa" nem sempre é do próprio. Há uma componente genética para um determinado metabolismo e perfil físico, assim como há alterações genéticas (como a do gene da leptina, que controla a produção da hormona encarregue de controlar o apetite), que criam a predisposição para o desenvolvimento de doenças como a obesidade.

"Há estudos feitos na Inglaterra sobre diabéticos, que nos indicam que uma mãe obesa tem maior probabilidade de ter uma filha obesa, e um pai obeso de ter um filho obeso". Mas associadas a estas questões que (ainda) não controlamos, há fatores comportamentais que são igualmente determinantes, como os erros alimentares e a falta de prática de exercício.

"Numa consulta é duro receber dois irmãos e verificar que um tem o peso adequado e o outro tem excesso. De qualquer forma, é preciso explicar que, apesar do outro não ter excesso de peso também não lhe faz mal comer de forma saudável", alerta Margarida Lobo Antunes.

Obesidade infantil: o papel dos pais na educação alimentar

"Os pais são o modelo", afirma a especialista. E nem sempre o melhor, sabemos nós. "Em consulta, surgem miúdos com excesso de peso ou obesos, cujos pais fizeram uma cirurgia de obesidade. Percebem que o filho tem de perder peso, mas também acham que, se isso não acontecer, podem sempre fazer uma operação. Eu estaria à espera que percebessem a luta que os próprios tiveram de enfrentar".

A família é um fator determinante nesta luta, mas é frequentemente a sua promotora. "Numa determinada consulta de obesidade, verifiquei que a paciente de seis anos tinha peso a mais. Mandei fazer análises para excluir outras causas, e dei logo algumas indicações sobre mudança de hábitos. As análises vinham normais, o que às vezes é um problema. Quando há pequenas alterações servem para motivar (colesterol elevado, valor de insulina alto…), mas quando está tudo normal, há tendência para não levar a questão muito a sério", lamenta a pediatra.

"Depois enviaram-me um registo da alimentação durante uma semana, o mais honesto possível, já depois das minhas indicações da primeira consulta. Mesmo assim, ainda vinham opções muito condenáveis. Enviei sugestões de alterações. Dois meses depois, a menina tinha engordado dois quilos. Foi frustrante, fiquei muito triste".

Algumas das indicações da médica tinham sido seguidas, mas frequentemente repetia o lanche, acordava a meio da noite com fome, e ao jantar comia tão rápido que não ficava saciada e voltava a encher o prato. "Se comeu sopa, prato e fruta não pode ter fome a seguir. Não fizeram nada do que lhes disse".

Há ainda os casos do uso da comida como recompensa. "As crianças recebem rebuçados ou outras guloseimas quando se portam bem ou quando os pais querem 'subornar' os filhos para cumprirem alguma tarefa. Temos que mudar de filosofia e deixar de usar a comida, nomeadamente doces, como prémios", acrescenta.

"Frequentemente, quando são confrontados com isso, espantam-se e nem sempre conseguem aceitar. Acham que é um problema transitório, que eles vão crescer e que vai passar. Já consegui ter miúdos que modificam os pais e que os levam a andar a pé. Mas a confecção e a escolha dos alimentos é dos pais".

Se uma alimentação saudável é importante, tem sido a diminuição do exercício físico (mais do que a ingestão de calorias) a causa determinante no aumento da média de Índice de Massa Corporal dos indivíduos.

Um facto demonstrado por investigadores da Universidade de Stanford num estudo publicado em julho deste ano no American Journal of Medicine. Neste departamento, Portugal terá de pensar em estratégias eficazes no combate à obesidade e à obesidade infantil, já que está em terceiro lugar na lista dos mais sedentários da Europa.

"Fazem troça de ti na escola?"

Por vezes, é o pediatra, ou o nutricionista que ajudam a pôr o dedo na ferida, levantando os outros problemas que o excesso de peso e a obesidade infantil colocam. "Às vezes pergunto, e é uma pergunta dura, 'Eles fazem troça de ti na escola?' Respondem-me que sim, mas aos pais isso nunca lhes passou pela cabeça. Não percebem que os filhos estão a sofrer. É uma bola de neve: se já é o gordinho, não tem muita agilidade física e acaba por se retrair – e comer – mais".

Esta é a outra face da obesidade: o bullying e a depressão. "Ao contrário dos adolescentes e dos adultos, a depressão nas crianças mais novas pode não ter os mesmos sintomas, não é a tristeza, é até mais uma agressividade. Se são frequentemente as vítimas, são também, com alguma frequência os agressores, os bullies". Por outro lado, a depressão pode levá-los a isolar-se e a comer mais, aumentando ainda mais o seu peso.

Crianças: o motor de mudança

Apesar de saberem que comer muitos doces e não comer sopa faz mal à saúde, as crianças não entendem todas as implicações de se fazer uma alimentação errada. À medida que vão crescendo, vão aprendendo a tomar decisões, mas apenas se a sua capacidade de autonomia tiver sido estimulada. São os pais que compram, que levam às atividades desportivas extracurriculares e que colocam a comida na mesa.

Envolver as crianças nas decisões do quotidiano ajuda-as a escolher alternativas mais saudáveis na idade adulta. "E temos de continuar a apostar na explicação: se comerem bem e fizerem exercício, têm uma vida saudável", assegura Margarida Lobo Antunes. Mas lembra: "A maior parte dos estudos atuais dizem que temos de apostar mais nos pais. Não podemos apostar apenas nas crianças. Mudá-los primeiro a eles, para depois mudarmos os miúdos".

Algumas receitas de sucesso para combater a obesidade infantil

Não se trata apenas de juntar os ingredientes certos, comer bem implica adotar uma série de outros hábitos mais saudáveis, como:

  • Jantar em família sem ver televisão;
  • Não usar a comida como recompensa;
  • Usar o reforço positivo;
  • Passar tempo de qualidade em família – em casa ou na rua;
  • Dar a escolher alternativas saudáveis (entre duas peças de fruta, por exemplo, e não entre um gelado e uma maçã);
  • Não ter tentações à mão;
  • Praticar cerca de 30 minutos de vigorosa atividade física diariamente;
  • Manter a coerência;

Na base de qualquer alteração para combater o excesso de peso ou a obesidade infantil há uma máxima que é importante lembrar sempre: os pais são o modelo.

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Dra. Margarida Lobo Antunes

Dra. Margarida Lobo Antunes

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