“Senti uma força que nem sabia que tinha”
Aconteceu tudo em muito pouco tempo, em catadupa. Maria José ainda estava a amamentar a segunda filha quando sentiu a primeira pontada no peito esquerdo.
“Deve ser uma mastite...”, disseram-lhe. Foi em novembro de 2014. Passou um mês e em dezembro a enfermeira descobriu que estava de novo grávida. Ao fazer a ecografia, a massa de que Maria José se tinha apercebido foi atribuída à gravidez. Em março de 2015, já na consulta de obstetrícia, o médico fez-lhe palpação e recomendou que fizesse nova ecografia. Seguiu-se uma ressonância magnética (sem contraste, por estar grávida), depois uma biópsia.
E aí veio a confirmação: era cancro, um tumor “in situ”, localizado, que era urgente remover. Marcou-se a mastectomia para abril. Maria José estava grávida de 18 semanas quando entrou no bloco operatório para retirar a mama esquerda — e receber boas e más notícias da parte do laboratório de anatomia patológica, dois dias depois. O gânglio sentinela deu um resultado negativo, mas o tumor mostrou afinal não estar circunscrito, revelando um área de carcinoma invasivo de sete milímetros — o que obrigava a enfermeira, agora com 39 anos, a tratamentos de quimioterapia. Durante a gravidez, as enfermeiras não são aconselhadas sequer a administrar os tratamentos de quimioterapia aos doentes.
“Nesse momento tive medo do que poderia acontecer à bebé”, confessa. No gabinete de consulta do Hospital Lusíadas Porto, a oncologista explicou-lhe o plano de tratamentos previsto: iria fazer três ciclos de quimioterapia durante a gravidez e o parto seria antecipado para as 36 semanas, de forma a permitir fazer mais três ciclos de quimioterapia depois e um tratamento de um ano, já com recurso a medicamentos que na altura estava impedida de tomar.
Não hesitou. “Confiei na equipa e foi ‘bola para a frente’...”, conta, sublinhando o “grande apoio” que teve sempre do marido. Sem qualquer imprevisto, o plano foi cumprido à risca. Sentiu o cabelo começar a cair-lhe quando mudava a fralda da segunda filha e rapou-o imediatamente. Já tinha tratado da peruca, disse a um grupo muito restrito de pessoas o que se passava e prosseguiu com a gravidez e os tratamentos administrados por via endovenosa, através de um cateter que entretanto colocou no peito, sem dramatismos.
“No hospital, recebia a medicação para prevenir os efeitos da quimioterapia e nem sequer tive vómitos e outros efeitos secundários. Sentia fadiga, mas evitava ficar na cama, levantava-me sempre”, explica. Leonor nasceu a 4 de agosto, de cesariana, saudável. Maria José não podia amamentar, mas não deixou de gozar o momento.
Seguiram-se mais três ciclos de quimioterapia, depois o tratamento preventivo de recidivas com um anticorpo monoclonal (chamado trastuzumabe), tomado por injeção a cada três semanas, durante um ano. Parou em agosto e está sob vigilância periódica desde então. Reconstruiu o peito em novembro, prepara-se para regressar ao trabalho em março e em casa, a rotina familiar foi-se instalando, aos poucos, para alívio de todos.
Não foi sempre fácil. “Mas eu tinha duas filhas, outra a caminho, todos os motivos para lutar. E senti uma força que nem sabia que tinha...”, conta hoje. “Tive muita sorte porque, apesar de tudo, o tumor foi detetado ainda numa fase muito inicial”, sublinha. A experiência confirmou-lhe aquilo que já sabia, até pela experiência profissional, como enfermeira: o medo é mau conselheiro e adiar a procura de ajuda médica pode ter um preço alto. “A prevenção é muito importante. Quanto mais cedo a doença for diagnosticada, melhor!”