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O placebo e a sua capacidade de curar

Procurámos avaliar o impacto de um tratamento controverso e que vai muito além de uma simples cápsula.

Não existe uma fórmula exata, um medicamento com este efeito descrito na bula. Alguns autores defendem que o placebo desperta a capacidade que o organismo tem de se curar a si próprio e que estabelece um elo de ligação entre o que há de objetivo na ciência e o que de subjetivo existe no ser humano.

Placebo: a génese

Durante anos foi utilizado em ensaios clínicos de novas moléculas. "Imaginava-se que o placebo nada iria alterar e por isso estávamos a comparar o zero com a molécula que fosse ativa. Depois, com a análise dos registos dos dois modelos de tratamento chegou-se à conclusão que em algumas patologias havia melhorias no grupo placebo", relata Leopoldo Matos, gastrenterologista e antigo diretor clínico do Hospital Lusíadas Lisboa e Clínica Lusíadas Almada. Assim, do valor zero atribuído inicialmente, o placebo ocupou um lugar na equação dos testes farmacológicos e no entendimento médico sobre a forma como lidamos com a dor e o tratamento.

Como funciona?

Estima-se que o placebo promove reações neurobiológicas, diminuindo a dor ao agir sobre o sistema opioide endógeno, ou seja, nos recetores com poder analgésico presentes no sistema nervoso central. De acordo com Leopoldo Matos, "o placebo como entidade farmacológica não existe senão como uma intenção de não atuação química. De qualquer forma, é reconhecido como um modelo de terapêutica que o médico, no caso de sofrimento do doente e para o qual não há evidência de necessidade de uma atuação química, pode utilizar e obter resultados positivos."

O placebo perde o efeito se soubermos do que se trata?

Os problemas gastrointestinais são um exemplo dos casos em que, mesmo tendo noção do que se trata, o efeito placebo parece eficaz. Em 2011, uma investigação alemã constatou que a toma informada de um fármaco desse tipo aliviou 59% dos inquiridos com dores de estômago. Algumas condicionantes ajudam a explicar os resultados, como:

  • A relação de confiança com o médico;
  • A capacidade do médico de motivar para o tratamento;
  • O ritual da toma.

Leopoldo Matos confirma: "Usamos se estamos convencidos de que o sofrimento do doente está relacionado com perturbações funcionais por estados de ansiedade, por exemplo. Escolhemos sempre a melhor terapêutica e não é por menos interesse pelo doente que se prescreve esta terapêutica. Fazemo-lo sempre na convicção de que estamos a proceder da melhor forma para aquela situação", sublinha o especialista.

O placebo na depressão

A sua utilização em outras áreas - nomeadamente em psicoterapia - deve ser abordada caso a caso, defende a psiquiatra Ana Peixinho, do Hospital Lusíadas Lisboa: "Ómega 3, antioxidantes, gingko biloba são utilizados em queixas pontuais, pois estão indicados em situações de défice cognitivo ligeiro, pequena alteração da memória que, muitas vezes na depressão, persiste após o controlo de outros sintomas. A pessoa mantém o antidepressivo e inicia este suplemento. Há quem melhore imenso e quem diz não notar o efeito". O resultado depende um pouco da pessoa, da sua personalidade e da forma como encara a toma, explica a médica.

Sentir-se único

A personalidade do paciente, mas também a empatia e relação que cria com o médico são, assim, determinantes. "A pessoa tem de perceber que é importante e única, dentro e fora do gabinete, e temos de responder às suas necessidades", defende Ana Peixinho, para quem a primeira consulta tem um impacto determinante em todo o processo. Empatia, profissionalismo e disponibilidade são igualmente fundamentais para Leopoldo Matos: "A adesão do paciente ao médico tem sempre a ver com questões de empatia e de avaliação sensata e profissional do problema. A disponibilidade deste inclui a tranquilidade com que está a ouvir e a observar o doente, o tempo que lhe dedica. Nas circunstâncias que o justificam – doenças graves, complexas, de evolução incerta – a possibilidade de ter acesso ao médico é também fundamental".

"The care effect"

Para definir estratégias que otimizem os cuidados de médicos no futuro, a ciência debruça-se agora sobre os mecanismos que condicionam a vivência da pessoa no contexto médico. São eles:

  • O conceito de bem-estar;
  • O ambiente hospitalar;
  • A relação com o pessoal clínico;
  • As crenças pessoais;
  • Os rituais de saúde;
  • As expectativas.

Está a surgir uma nova visão da saúde, motivada pelo efeito placebo e à qual investigadores norte-americanos já atribuíram um nome: "The care effect".

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