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Toxoplasmose na gravidez: sintomas, tratamentos e perigos

Colaboração
O parasita é especialmente perigoso na gravidez, quando pode infetar o feto produzindo sequelas para a vida. As mulheres grávidas têm de ter especial cuidado com a alimentação e com os gatos.

Causada por um parasita, a toxoplasmose não é uma doença problemática para a maioria das pessoas. Mas as mulheres grávidas têm de ter um cuidado especial e evitar esta doença, que pode ter efeitos nefastos no desenvolvimento do feto.

“Se a infeção pelo toxoplasma for adquirida pela primeira vez na gravidez, o parasita pode ser transmitido ao feto, levando à toxoplasmose congénita”, avisa Luciana Patrício, ginecologista-obstetra do Hospital Lusíadas Amadora.

O parasita da toxoplasmose

A toxoplasmose é causada por um parasita formado por uma única célula, o Toxoplasma gondii. A vida do toxoplasma passa por mais do que um animal. O parasita reproduz-se nas espécies de felídeos, incluindo o gato, que são o hospedeiro definitivo do parasita, mas há vários hospedeiros intermediários, incluindo o homem.

Os gatos “ficam infetados após comerem roedores, pássaros ou outros pequenos animais que têm o parasita”, explica Luciana Patrício. Nos felinos, o parasita completa o seu ciclo nas células superficiais do intestino, diferenciando-se em células masculinas e femininas que se cruzam e produzem oocistos. “O gato pode libertar milhões de oocistos nas fezes ao longo de uma a três semanas. Estes oocistos tornam-se infecciosos um a cinco dias depois, e permanecem infecciosos por um período de um ano”, refere a médica.

Os oocistos libertados no ambiente podem acabar por ser ingeridos por diferentes tipos de animais, como pássaros, roedores, gado, etc. Nestes animais, o parasita desenvolve-se e multiplica-se até produzir cistos, que ficam alojados durante muito tempo em tecidos como o músculo ou o cérebro.

Os humanos podem ser infetados pelo toxoplasma quando se alimentam de carne mal cozinhada com cistos que não foram eliminados durante a confeção, ou ao ingerirem oocistos numa salada mal lavada, ao beberem água infetada ou depois de terem estado em contacto com a terra e com fezes de gatos com oocistos.

“As pessoas saudáveis que se infetam com o Toxoplasma gondii habitualmente não têm sintomas porque o seu sistema imunitário impede o parasita de causar doença”, explica Luciana Patrício. Em alguns casos, quando ocorre a doença, a sintomatologia é semelhante à gripe: febre, arrepios de frio, suores, dores de cabeça, dores musculares, nódulos linfáticos dolorosos, aumento do tamanho do baço e do fígado, alterações cutâneas.

Toxoplasmose congénita

A questão mais problemática da toxoplasmose é quando uma mulher grávida é infetada pelo parasita pela primeira vez. O parasita pode atravessar a placenta e infetar o feto “nos dias subsequentes ao primeiro contacto com o parasita e antes da produção de anticorpos [pela mãe] contra este”, explicita a médica.

No feto, o parasita provoca uma doença congénita, mas as consequências são amplas, dependendo de quando a infeção se dá. A probabilidade de transmissão do parasita da mãe para o feto é baixa no primeiro trimestre (10-25%), é maior no segundo trimestre (30-35%) e é máxima no último trimestre (60-80%). “Inversamente, a gravidade da infeção é tanto maior quanto mais precocemente ocorrer na gravidez”, sublinha a obstetra.

Quando a infeção ocorre numa altura muito precoce da gestação leva à morte do feto e ao aborto espontâneo. Se acontecer numa fase posterior, mas ainda no início da gravidez, pode provocar alterações graves no feto. Se a infeção ocorrer numa fase tardia, o feto tem grandes probabilidades de ser infetado, mas na grande maioria dos casos nasce sem sintomas.

“Os três sintomas clássicos da toxoplasmose congénita incluem o aparecimento de alterações oculares (especialmente ao nível da retina), alterações cerebrais (calcificações intracranianas) e acúmulo de líquido dentro do crânio (hidrocefalia)”, explica Luciana Patrício.  Apenas 10% dos bebés nascem com sintomas. Destes, dois terços têm problemas moderados associados a calcificações intracranianas e alterações da retina. Os restantes têm problemas mais graves, como lesões neurológicas e a cegueira bilateral.

Noventa por cento dos bebés infetados com o parasita não apresentam sintomas na altura do nascimento, mas podem desenvolvê-los mais tarde, durante o crescimento. “Habitualmente, quanto mais tarde os sintomas se apresentem após o nascimento, menores serão as sequelas neurológicas ou intelectuais”, assegura a médica.

Gravidez e toxoplasmose

Como normalmente as pessoas saudáveis não apresentam sintomas quando infetadas pelo toxoplasma, é recomendada “a pesquisa de anticorpos contra o Toxoplasma gondii numa consulta pré-concepcional e na gravidez uma vez por trimestre”, diz Luciana Patrício. O risco anual de infeção deste parasita em Portugal é de 1,4% para a população em geral e 1,05% para as grávidas. “Com base num risco de transmissão materno-fetal de 40%, obtém-se uma taxa esperada de toxoplasmose congénita de 4,2 por 1.000 nados vivos”, contabiliza a médica.

“As grávidas infetadas pelo parasita devem ser tratadas com medicamentos que ajudam a proteger o bebé da infeção”, refere Luciana Patrício, acrescentando que é necessário haver uma vigilância rigorosa do feto ao longo da gravidez, com ecografias, e do bebé após o nascimento.

Os fármacos usados servem para, por um lado, diminuir a possibilidade de transmissão do parasita entre a mãe e o feto e, por outro, diminuir a gravidade da doença e as suas possíveis sequelas. Utiliza-se a espiramicina até às 14 semanas de gestação e a pirimetamina-sulfadiazina quando a doença é detetada após as 14 semanas. “As grávidas que iniciam espiramicina podem manter este fármaco até à confirmação da infeção no líquido amniótico (que se faz por amniocentese) e só depois fazer a mudança”, explica a obstetra.

Cuidados para evitar a infeção durante a gravidez

A prevenção da toxoplasmose passa por cuidados alimentares e na higiene do dia a dia. Segue uma lista dos cuidados a ter:

  • Lavar bem as mãos com água e sabão após ter mexido na terra, ou ter mexido em carne crua, ou em vegetais não lavados;
     
  • Evitar a ingestão de marisco não cozinhado;
     
  • Lavar bem ou descascar a fruta e vegetais antes de os ingerir;
     
  • Cozinhar bem a carne. A temperatura interna da carne deve atingir mais de 66 ºC. Não se deve provar a carne até ela estar totalmente cozinhada;
     
  • De preferência, congelar a carne durante 24h a -12 ºC antes de a consumir, de forma a reduzir o risco de transmissão da infeção;
     
  • Lavar bem as facas e tábuas de cortar a carne com água e sabão depois de as utilizar;
     
  • Usar luvas quando fizer jardinagem e lavar as mãos quando terminar;
     
  • Evitar o contacto com as fezes dos gatos, pois eles são responsáveis pela transmissão da doença.

Toxoplasmose: cuidados especiais com os gatos

Luciana Patrício explica que ter um gato está pouco associado a alguém ter uma infeção aguda. “Os gatos apenas podem excretar oocistos durante três semanas da sua vida toda”, diz a médica.

Após esta fase, os felinos ganham anticorpos contra o parasita. Se o gato voltar a ingerir o parasita, os anticorpos impedem que este se reproduza. Isso não minimiza o cuidado que uma mulher grávida deve ter com um gato em casa, mas elucida que é necessário ter tanto cuidado com os gatos dentro de casa como com o ambiente fora de casa: “Existe igual probabilidade de se ser exposto aos oocistos excretados no exterior, por outros gatos.”

As recomendações para as grávidas que têm gatos atuam a dois níveis. “A grávida deve pedir a outra pessoa para mudar a areia do seu gato diariamente, deve alimentar o gato com comida enlatada ou com alimentos bem cozinhados e deve manter o gato no interior da habitação”, explica Luciana Patrício. Por um lado, não tocar na areia do gato evita que a grávida possa entrar em contacto direto com os oocistos, se, por azar, o gato estiver infetado. As outras medidas são essenciais para impedir que o gato ingira o parasita quer na sua alimentação diária, quer quando está fora de casa.

Em suma

A toxoplasmose é uma doença causada por um parasita que passa dos animais para as pessoas, normalmente na alimentação. Se uma mulher grávida for infetada pelo parasita, este pode ser transmitido para o feto e causar problemas no desenvolvimento. Por isso, as mulheres grávidas devem estar especialmente atentas para evitarem a infeção. É ainda recomendado testarem para a toxoplasmose antes e durante a gestação.

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Revisão Científica

Dra. Luciana Patrício

Dra. Luciana Patrício

Hospital Lusíadas Lisboa
Hospital Lusíadas Amadora
PT