Jogos de Tóquio 2020: como é o dia a dia dos nossos atletas?
O despertador da maratonista Carla Salomé Rocha toca às 5h35, dez minutos antes da hora de se levantar. É o tempo que precisa para se “convencer” de que a sua rotina vai recomeçar.
Não tem bom acordar, confessa entre risos, a atleta do Sporting e do Comité Olímpico de Portugal. Precisa do seu tempo para despertar e é silenciosamente que vai dando conta dos preparativos para o dia, atualmente focado na missão olímpica em Tóquio, que têm data de arranque já a 23 de julho.
“Equipo-me, tomo o pequeno-almoço e, pelas 6h50, estou a iniciar o treino”, conta. “Em Tóquio, a minha prova será por volta das 7h. Temos de habituar o corpo a acordar cedo.”
Terminada a sessão matinal, regressa a casa, faz o almoço, descansa e inicia a segunda etapa do dia: “Durmo um bocadinho, até à hora do treino da tarde, que começa pelas 15h e termina às 18h30.”
Sobre a sua rotina física de preparação, além do treino de corrida em “rolamento [corrida a um ritmo específico, definido para cada treino]”, Carla Salomé Rocha tem dias específicos para treino de séries, que é “o mais intenso de todos”, conta. “Noutros dias, faço reforço muscular acompanhada por um profissional.”
Com 13 treinos semanais, dois treinos por dia e nenhum dia de descanso, Carla Salomé Rocha destaca a importância das equipas médicas: “Faço massagem duas vezes por semana, tenho fisioterapeuta que dá reforço muscular e prevenção de lesões, no mínimo, uma vez por semana e, pelo menos, uma vez por mês ou mais, vou ao meu médico fazer o check up para ver se está tudo bem — ou seja, se uma coxa tem mais carga do que a outra, por exemplo, para que depois não haja lesões.” O papel da Medicina, remata, é “fundamental”.
O dia da atleta de 31 anos acaba como começa: cedo. “Tento estar na cama por volta das 21h30 ou 22h para estar minimamente recuperada para o treino da manhã seguinte.”
Nelson Oliveira, ciclismo
Com a data dos Jogos a aproximar-se, a rotina de Nelson Oliveira, ciclista da Movistar, vai-se assemelhando cada vez mais àquela que terá em Tóquio, no Japão.
“Temos de nos adaptar ao horário e, por isso, comecei a deitar-me e a levantar-me, todos os dias, meia hora mais cedo”, conta. “O objetivo passa por estarmos mais próximos do horário do Japão quando viajarmos. Estava previsto irmos 15 a 20 dias antes, mas devido às circunstâncias só podemos ir cinco dias antes.”
Treina uma vez por dia, mas com grande intensidade. As rotinas variam entre uma hora numa sala de climatização, que simula a temperatura e a humidade de Tóquio, e treinos de estrada que podem durar até seis horas.
“O clima [em Tóquio] vai ser um dos nossos inimigos. Por isso, estamos neste momento a realizar o segundo ciclo de treinos na sala de climatização, onde estão 33 graus e 80% de humidade”, conta o atleta, acrescentando que o recomendado foi a realização de dois ciclos de treinos de sete dias neste ambiente. “É bastante duro.”
Bernardo Vasconcelos, especialista em Cirurgia Geral, Medicina Desportiva e Coordenador da Unidade de Medicina Desportiva do Hospital Lusíadas Lisboa, destaca o papel da equipa médica na adaptação a um meio diferente: “É um dos pontos importantes: sempre que há viagens com diferenças grandes de fuso horários e clima, a equipa médica está presente para orientar as medidas a tomar, de forma a minimizar esses impactos”, explica.
Também a alimentação é importante, porque perde-se o apetite com a mudança de horas de refeições. “Além disso, há adaptação ao calor, à humidade, frio ou gelo. Tudo isso tem de ter uma adaptação própria. Há várias medidas a tomar, mas é muito importante e está sempre na cabeça da equipa médica, porque são condições que podem influenciar a performance.”
Os treinos de Nelson Oliveira acontecem seis dias por semana, com um de descanso. A sua dieta é bem pensada e equilibrada, envolvendo alimentos como papas de aveia, fruta, verduras, fontes energéticas e proteicas. Descurar a saúde não é uma possibilidade: “Estamos sempre em contacto com a equipa médica, massagistas e nutricionistas.”
Manuel Mendes, atletismo adaptado
Foi a 28 de abril de 2019 que Manuel Mendes, atleta de 49 anos do Vitória Sport Club, garantiu a sua participação nos Jogos de Tóquio 2020, depois de conseguir o quarto lugar na Taça do Mundo de Maratona do Comité Paralímpico Internacional.
Assim, a pouco mais de um mês de começarem os Jogos Paralímpicos no Japão, a sua rotina só poderia girar em torno da preparação para a prova de atletismo paralímpico. O seu dia começa com um pré-aquecimento, no pequeno ginásio que tem em casa: “Levanto-me por volta das 6h20 da manhã e faço uma hora de bicicleta”, conta. “Tomo o pequeno-almoço, levo o meu filho à creche e sigo para as pistas fazer o treino que estiver destinado para o dia.”
Os treinos matinais vão variando, consoante o plano detalhado que segue, mas em termos de duração rondam entre a 1h30 e 1h45. A intensidade desta rotina vai aumentando conforme o estado de forma também cresce. Há treinos mais rápidos, outros mais lentos, uns de séries, outros de recuperação. Ao todo, nesta fase, o resultado são 150 quilómetros semanais percorridos.
“Durante a tarde, se tiver treino de recuperação na rua, faço por volta de uns 10 ou 12 quilómetros de corrida, num ritmo tranquilo. Se não houver, faço mais bicicleta e elíptica em casa, durante cerca de 1 ou 2 horas”.
O atleta compara a preparação de uma prova à subida de uma montanha: os treinos vão se intensificando até que se atinja o pico de performance. Já muito perto do grande momento, o esforço vai diminuindo para assegurar que o corpo está pronto para a prova. “Preparar uma maratona é como subir uma montanha. Neste momento, estou a subir a e ainda não vejo o pico.”
Para que tudo corra pelo melhor, o acompanhamento constante de uma equipa médica é crucial. “No alto rendimento, é impensável não termos esse apoio. Temos de ser acompanhados, fazer medições no corpo, saber os níveis de massa gorda, de massa magra. Temos de ser constantemente monitorizados e, se começar a soar algum alarme que nos dê suspeita de lesão, temos de tentar desligá-lo o mais rápido possível.”
Diogo Cancela, natação adaptada
No último ano, Diogo Cancela, 18 anos, prestes a fazer 19, teve de ajustar a sua rotina diária de treino a uma carga de estudo mais intensa. Está a terminar o seu primeiro ano como aluno do curso de Engenharia Eletrotécnica na Faculdade de Ciências e Tecnologias de Coimbra, repartindo as obrigações de aluno com as de atleta paralímpico, convocado para os Jogos de Tóquio 2020.
“Agora em época de exames, acordo de manhã para ir treinar às 9 horas e chego a casa por volta das 13h. Almoço, aproveito o meu tempo entre o almoço e o treino seguinte para estudar. Na maioria dos dias, volto à tarde para a piscina. Quando chego a casa, tento estar com a família à refeição e no sofá.”
Mas em tempo de aulas, confessa, a ginástica para conciliar estas duas importantes componentes da sua vida é grande. “Não é fácil. Vinha habituado ao ritmo do secundário, com tempo para tudo. Agora, temos menos disciplinas, mas são todas mais difíceis e, por isso, requerem mais estudo”, diz. “Não foi fácil gerir ao início, mas ainda bem que temos sempre duas semanas de férias antes dos exames.”
Além dos treinos na piscina, o nadador também treina em ginásio, num regime em que só utiliza movimentos de calistenia, com o peso do próprio corpo. Além disso, faz sessões de fisioterapia duas vezes por semana, de modo a garantir que a recuperação seja a melhor e a mais rápida possível. A vigilância médica constante é uma forma de garantir que atinge o seu máximo potencial. “Tento nunca chegar à lesão. Quando sinto que vai acontecer alguma coisa, falo logo com a minha equipa.”.
Sobre a participação nos Jogos em Tóquio, Diogo Cancela sente “um misto de emoções”, que ainda não consegue decifrar bem. “Ainda não consigo acreditar bem. É o resultado de todo o trabalho e esforço de quem me acompanha todos os dias.”
Luís Costa, ciclismo adaptado
O dia de Luís Costa também tem de ser muito bem cronometrado: 7h30 acorda, treina entre 2h30 a 3h30, almoça e vai depois assumir o seu cargo como inspetor da Polícia Judiciária. “Tenho de fazer os possíveis para acabar os treinos, tomar banho e almoçar”, conta o atleta do Sporting Clube de Portugal, que está a preparar-se para a prova de para-ciclismo dos Jogos de Tóquio 2020.
Este primeiro treino tem variado diariamente consoante as indicações do seu treinador. “É geralmente semanal, mas agora é planeado todos os dias, porque sofri um acidente há duas semanas e estou a treinar com duas costelas fraturadas”, conta.
“Todos os dias o treino é diferente, em termos de duração e de intensidade. Um dia pode ser focado em subidas, outro dia pode ser dedicado à resistência, outro pode decorrer em piso plano.”
Quando às 19h sai do trabalho, pode ter ainda mais uma sessão: ao treino matinal, soma-se um complementar, de cerca de 1h20. “É um treino mais rotineiro, em que trabalho grupos musculares, sobretudo o core, através de uma sequência de exercícios.”
Tal como Manuel Mendes, Luís Costa fala-nos da montanha que os atletas escalam neste processo de preparação: “A intensidade vai aumentando e chegamos a uma fase em que reduzimos para não chegarmos à prova esgotados. Ainda estamos longe disso. Ainda estamos a puxar pelo corpo. Quando chegarmos ao topo, vamos andar pelo planalto, mas apenas nas duas últimas semanas. É o treinador que vai gerir todo este processo, tendo em conta a nossa condição física no momento”, conta. E acrescenta: “Eu estava numa fase ascendente e as fraturas atrapalharam a minha preparação. Mas são imprevistos que acontecem e que vamos gerindo.”
Tal como relatam os outros atletas, a rotina médica é uma constante neste processo. “É uma preocupação que existe sempre para prevenir lesões. Há toda uma equipa que está à volta dos atletas e que é indispensável.”
“É bom vencer lado a lado”
Estes são apenas alguns exemplos que mostram como o quotidiano dos nossos atletas não é igual à do cidadão comum. Acordam e deitam-se cedo, treinam intensamente durante longos períodos de tempo, comem para estar fortes e saudáveis, tentando encaixar a disciplina desta rotina com a vida familiar, laboral e até académica. Porque na alta competição tudo tem de estar em equilíbrio, a sua saúde é monitorizada por equipas médicas que garantem que, à mínima suspeita de lesão, esta é logo prevenida ou tratada numa fase inicial.
Depois de apoiar os atletas olímpicos nos Jogos de 2012, em Londres, e em 2016, no Rio de Janeiro, o Grupo Lusíadas volta a estar ao lado do Comité Olímpico Português na preparação para os Jogos de Tóquio 2020, ampliando nesta edição a parceria ao Comité Paralímpico Português.
Assim, partilhando os valores da superação e da força, e porque é “bom vencer lado a lado”, a Lusíadas volta a estar disponível para a prestação de cuidados de saúde de excelência aos atletas portugueses. “É com satisfação que estamos a colaborar com os atletas portugueses que vão aos Jogos de Tóquio. Estamos disponíveis para apoiar os atletas no seu processo de preparação e, assim, as nossas Unidades estão disponíveis para apoio com resposta imediata em exames, consultas de especialidade e monitorização de saúde, assim como em tudo o que esteja relacionado com testes COVID-19”, explica Bernardo Vasconcelos.
O especialista destaca também a importância de uma monitorização médica constante junto dos atletas. “O acompanhamento clínico com médicos e fisioterapeutas é muito importante, próximo e diário junto destes atletas. À mínima queixa, não se deixa agravar. Acionam-se logo os mecanismos de diagnóstico e tratamento, com exames clínicos complementares”, explica. “A avaliação é constante, com reportes diários dos atletas, para que eles estejam no seu melhor estado possível.”
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Revisão Científica
Dr. Bernardo Paes de Vasconcelos
Coordenador da Unidade de Medicina Desportiva