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Sexologia feminina: como tratar dificuldades e disfunções

Colaboração
Falta de desejo e dor na relação sexual estão entre as principais causas que levam mulheres a procurar ajuda terapêutica.

A sexualidade é uma área fundamental da vida e não deve ser menosprezada. Um espaço importante para lidar e tratar problemas de foro sexual é a consulta de sexologia clínica.
 
“A consulta de sexologia é um espaço no qual as pessoas podem abordar vários aspetos da sua saúde sexual, de forma que se sintam bem com a sua sexualidade”, explica Joana Lima Silva, ginecologista, obstetra e sexóloga clínica dedicada aos problemas femininos, do Hospital Lusíadas Porto.
 
As consultas de sexologia clínica nasceram a partir do desenvolvimento da sexologia, área do conhecimento que estuda a sexualidade humana, que se expandiu principalmente ao longo do século XX, graças ao trabalho de investigadores como Alfred Kinsey, William Masters e Virginia Johnson. A partir da investigação realizada nesta área, que se dedicou ao estudo não só da fisiologia dos órgãos e da relação sexual humana, mas também dos comportamentos e desejos sexuais, foi possível desenvolver uma área clínica.
 
“A sexologia clínica já é uma área de intervenção, ou seja, o objetivo será a resolução de dúvidas, problemas e dificuldades relacionadas com a sexualidade. Os sexólogos clínicos podem ter diferentes formações base: podem ser médicos, psicólogos, fisioterapeutas”, indica a especialista.


Como decorre a consulta 

Não é necessário ter uma perturbação da função sexual para recorrer a uma consulta de sexologia, assegura Joana Lima Silva. A consulta pode ser um espaço para esclarecer dúvidas, ultrapassar mitos ou corrigir ideias erradas, ou seja, um sítio de obtenção de informação correta e segura, que poderá ajudar a identificar e a intervir em situações patológicas.
 
Quem se dirige a uma consulta de sexologia clínica pode ter uma questão em relação à resposta sexual, à satisfação sexual, à conjugalidade, à orientação sexual ou à identidade de género, por exemplo.
 
“A consulta é uma conversa, na qual podem ser abordadas todas as questões que estejam a causar preocupações”, assegura a terapeuta. “São também considerados os antecedentes do indivíduo, a sua história de vida, o seu relacionamento.”
 
A consulta pode ser única ou pode ser o início de um conjunto de consultas, dependendo do tipo de problema apresentado. No entanto, pode ser necessária a realização de exames laboratoriais, exames de imagem e ginecológicos, caso se afigure relevante fazer uma investigação aprofundada do estado de saúde da pessoa em questão. 


Problemas sexuais comuns

A diminuição do desejo sexual e a dor durante as relações sexuais são duas questões recorrentes apresentadas pelas mulheres que vão à consulta de sexologia. Outra questão importante é a dificuldade em atingir o orgasmo.
 
“Todas as queixas sexuais podem estar associadas a fatores de diferentes dimensões: orgânica/física, psicológica, conjugal, cultural, social, religiosa”, enumera Joana Lima Silva. “Mais frequentemente, os problemas sexuais são multifatoriais – não conseguimos apontar um único fator responsável, sendo que o problema resulta de uma interação de fatores que se vão potenciando, perpetuando e agravando o problema.”
 
A médica dá o exemplo do orgasmo para demonstrar a complexidade das causas e consequências das disfunções sexuais, que muitas vezes têm um lastro temporal grande. “À medida que se repete, uma dificuldade em atingir o orgasmo que começou por ser provocada por um efeito colateral de um medicamento, começa a ser condicionada por fatores cognitivos/psicológicos, como a frustração associada à falha, a ansiedade de desempenho (ou seja, a antecipação da falha), que vão mantendo e sedimentando o problema. Com o passar do tempo, este problema pode afetar também o desejo/excitação e toda a função sexual.”


Gravidez e sexualidade

Apesar de não haver disfunções sexuais específicas durante a gravidez, a transformação do corpo e o cuidado com o bebé podem condicionar a vivência da sexualidade.
 
“No início da gravidez, o medo de perda fetal e o mal-estar associado a esta fase podem condicionar o envolvimento sexual. No final da gravidez, as alterações corporais podem também predispor aos problemas sexuais, não só pelo desconforto e dificuldade no posicionamento, mas também pela alteração da autoimagem da mulher, com repercussões na sua autoestima e na perceção de sensualidade”, refere Joana Lima Silva.
 
Já o pós-parto é um período mais delicado. Não só há uma nova exigência de tempo e atenção dedicadas ao bebé (que muitas vezes tem consequências a nível do sono), como há também uma alteração no estatuto do casal, em que o surgimento do papel de progenitores pode alterar a relação conjugal.
 
“Do ponto de vista físico, há uma maior probabilidade de dispareunia (dor com as relações sexuais) e menor disponibilidade para o envolvimento sexual (diminuição do desejo)”, lembra a especialista.


Tratamentos

Os tratamentos dependem do problema apresentado e de quem vai à consulta. Questões físicas, psicológicas, culturais, religiosas e conjugais têm de entrar na equação. “Não há um plano de intervenção que se adapte sempre ao mesmo problema, porque todo o contexto individual deve ser tido em consideração”, refere a sexóloga.
 
Os tratamentos podem passar pela educação sexual, pela alteração de fármacos, pela melhoria das condições físicas para a excitação e orgasmo ou pelo tratamento da dor. Noutros casos, são necessárias intervenções mais complexas e demoradas, como terapia sexual ou conjugal.
 
Em relação aos tratamentos farmacológicos, ainda não existe o equivalente feminino do sildenafil (fármaco correspondente ao Viagra), que permite a ereção masculina. “Os tratamentos que dispomos são dirigidos a problemas mais específicos, que podem estar a contribuir para a disfunção, como, por exemplo, o tratamento para a atrofia da menopausa (que pode levar à alteração da lubrificação e consequente dor) ou o tratamento de algumas alterações hormonais.”


Terapia de casal

Normalmente, o pedido de consulta é feito individualmente. Ao avaliar-se a situação do indivíduo, se a relação conjugal for um fator importante, então poderá ser necessário chamar o parceiro ou a parceira para a resolução da questão. 
 
Quando os dois elementos pedem ajuda em conjunto, explica a médica, já foi na maior parte das vezes identificada a questão que está a transtornar o casal. Só que existe uma dificuldade de comunicação, que impede que o obstáculo seja ultrapassado sem ajuda. “Frequentemente, a discrepância entre os elementos do casal no desejo e na frequência sexual considerada ‘ideal’ são a causa do problema”, aponta Joana Lima Silva.


Dificuldades, medos e tabus

No campo da sexualidade, ainda existem muitas barreiras para ultrapassar e que representam obstáculos para pedir ajuda.  
 
Por um lado, indica Joana Lima Silva, muitas mulheres ainda não conhecem o seu corpo e têm vergonha em relação aos órgãos genitais. Por outro, existem diversos tabus, como a masturbação, que ainda é vista como uma forma de “traição” perante o/a parceiro/a, ou como o desejo de explorar fantasias ou fetiches na sexualidade, que acaba por não ser expresso devido aos preconceitos.
 
Tudo isto pode ter repercussões na qualidade da vida sexual. “Não podemos considerar que uma mulher tem uma anorgasmia (ausência de orgasmo), se a estimulação não é adequada”, exemplifica a sexóloga, apontando aqui uma falta de conhecimento anatómico ou uma incapacidade de comunicação durante o ato sexual.
 
A exigência de que a mulher tem que alcançar o orgasmo em todas as relações sexuais também é problemática, fazendo, por um lado, “com que a mulher se sinta 'anormal', com vergonha e frustrada com a sua 'falha' e, por outro, com que o homem se possa sentir incapaz.”
 
Este tipo de constrangimento ainda está internalizado socialmente, com consequências mais amplas no sistema de saúde, sublinha a especialista: “Se houvesse mais abertura e espaço para que a mulher explorasse as questões da sexualidade nas suas consultas habituais, conseguiríamos identificar e resolver mais problemas e numa fase mais precoce.”
 

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Revisão Científica

Dra. Joana Lima Silva

Dra. Joana Lima Silva

Hospital Lusíadas Porto
PT