4 min

Principais diferenças entre a Perturbação Bipolar e a Perturbação da Personalidade Borderline

As doenças mentais apresentam características que podem tornar o diagnóstico complexo. Algumas condições apresentam semelhanças nos sintomas, o que pode gerar questões na distinção entre elas.

Uma das dúvidas mais frequentes surge quando tentamos distinguir a Doença Bipolar da Perturbação da Personalidade Borderline (PPB). Ambas envolvem mudanças de humor, mas os padrões dessas mudanças, as causas e os tratamentos são distintos.

Podemos, desde já, analisar as suas definições e identificar algumas diferenças. A Doença Bipolar – ou Perturbação Afetiva Bipolar - é uma condição caracterizada por alterações cíclicas de humor, podendo alternar entre períodos de depressão - em que o humor está anormalmente diminuído - e mania ou hipomania – em que o humor está anormalmente elevado. Já a PPB, como o próprio nome indica, é uma perturbação da personalidade. Isto significa que os traços de personalidade da pessoa geram padrões persistentes, inflexíveis e duradouros de pensamento e comportamento que interferem e afetam a forma como a pessoa percebe, pensa, sente e interage com o mundo e com os outros, e se afastam significativamente do esperado no contexto cultural e social do indivíduo. Deste modo, as principais diferenças são:

Natureza episódica vs. contínua:

  • A Doença Bipolar caracteriza-se por mudanças de humor extremas e muito acentuadas, que são cíclicas e episódicas. Estas alterações podem durar dias, mas mais frequentemente semanas ou meses, e o aparecimento dos sintomas é geralmente progressivo. Os episódios podem tomar a forma de estados de euforia maníaca ou, de forma mais moderada, hipomaníaca, e estados depressivos. Há ainda episódios que podem ter características mistas destes dois tipos. Entre estes episódios, podem ocorrer períodos de estabilidade (fase de manutenção), em que se regressa ao funcionamento normal e habitual da pessoa.
  • Já a PPB apresenta uma instabilidade emocional persistente (crónica), à qual se sobrepõem mudanças rápidas, variáveis, intensas e frequentes de humor e também dos afetos. Estas ocorrem geralmente em resposta a fatores externos, isto é, de forma reativa a certas situações de vida da pessoa, e numa escala e intensidade mais reduzida e circunscrita em comparação com os episódios da doença bipolar. Além disso, são comuns problemas de irritabilidade, raiva intensa e inapropriada, ou dificuldade em controlá-la.

Origem dos sintomas:

  • A Doença Bipolar não é, fundamentalmente, de natureza reativa, sendo a manifestação da doença preponderantemente de base biológica e genética. No entanto, certos fatores ambientais, como fontes de stress, privação de sono, consumo de álcool e substâncias psicoativas ou até a toma de alguns medicamentos podem influenciar o aparecimento e a frequência dos episódios.
  • A PPB, por seu lado, é altamente reativa e fortemente influenciada pelo ambiente, nomeadamente pelas interações interpessoais. Situações como discussões com amigos ou parceiros, bem como sentimentos de rejeição ou abandono (reais ou imaginários), podem provocar ou agravar significativamente os sintomas. Experiências traumáticas na infância, abuso emocional, físico ou sexual, negligência ou abandono são também fatores de risco frequentemente associados ao aparecimento desta perturbação.

Relações interpessoais:

  • No caso da Doença Bipolar, não há uma instabilidade transversal e persistente que afete a generalidade das relações da pessoa. No entanto, podem ocorrer problemas e conflitos que, embora pontuais, podem ser graves decorrentes das mudanças altamente disruptivas de comportamento durante os episódios.
  • A PPB é marcada por uma grande instabilidade nas relações interpessoais, afetando os laços pessoais, familiares, sociais e laborais. Existe um receio persistente de abandono do outro, que contamina a confiança investida nos relacionamentos, associado a mudanças abruptas nos sentimentos em relação aos outros, alternando entre idealização e desvalorização.

Autoimagem:

  • Na Doença Bipolar o estado afetivo alterado pode alterar profundamente a maneira como o indivíduo habitualmente se vê. Nos episódios depressivos verificamos sentimentos de autodesvalorização, incapacidade, impotência e desesperança e, no limite, ideação suicida. Nos episódios de mania é típico uma “insuflação do ego” com o aparecimento de uma perceção exageradamente aumentada das capacidades e qualidades do próprio, um otimismo desmesurado ou, em casos mais graves e extremos, sintomas psicóticos como delírios de grandeza, megalomania ou místicos e religiosos.
  • Por sua vez, a PPB caracteriza-se por uma grande instabilidade na autoimagem e na perceção do “eu”, uma autoestima frágil e geralmente acompanhado por uma crónica sensação de vazio e medo do abandono (real ou percecionado).

Impulsividade:

  • Na Doença Bipolar, a impulsividade está geralmente associada aos episódios maníacos, sendo característico um aumento da atividade e da energia, uma maior desinibição social, sexual, gastos financeiros súbitos e desmesurados e a elaboração de projetos megalómanos e irrealistas Na depressão pode verificar-se quase o inverso, com o aparecimento de uma apatia generalizada, uma diminuição da energia e da atividade motora e mental, perda da capacidade de sentir prazer e um aumento da necessidade de dormir ou a diminuição do apetite e da libido.
  • Já a PPB é marcada por uma crónica dificuldade em controlar os impulsos e avaliar os riscos dos mesmos, levando frequentemente a comportamentos com impacto negativo para a saúde do próprio tais como comportamentos sexuais de risco, abuso de álcool e substâncias psicoativas, condução irresponsável, comportamentos autolesivos (automutilações), compulsão alimentar, entre outros.

Tratamento:

  • O tratamento da Doença Bipolar foca-se nos episódios de alteração de humor e nas suas características. Geralmente, recai no uso de estabilizadores de humor e antipsicóticos, complementados com psicoterapia e psicoeducação para a doença, devendo evitar-se o uso de antidepressivos, dependendo de caso para caso. O tratamento poderá manter-se nas fases de estabilidade de forma a prevenir o aparecimento de novos episódios.
  • A PPB considera os padrões de personalidade e comportamento no tratamento, sendo o foco principal a psicoterapia a longo prazo, que ajuda a pessoa a compreender e gerir melhor as suas emoções, identificar gatilhos para os sintomas bem como a lidar com a impulsividade. Em alguns casos, pode ser necessária a intervenção farmacológica para tratar sintomas específicos, como a ansiedade, a depressão, o controlo de impulsos ou distúrbios do sono.  

Apesar das várias diferenças que separam estas duas perturbações, pode haver sobreposição sintomática, o que torna o diagnóstico diferencial desafiante. Por exemplo, as mudanças de humor e a impulsividade são comuns a ambas as condições. Por isso, é essencial que a avaliação seja realizada por um médico psiquiatra, analisando todos os sintomas, a história do doente e as nuances específicas de cada caso. 

No Hospital Lusíadas Monsanto, uma Unidade dedicada à saúde mental, apostamos na humanização dos cuidados e numa intervenção individualizada, desenhada para responder às necessidades de cada pessoa, numa perspetiva biopsicossocial.

Ler mais sobre

Saúde Mental

Este artigo foi útil?

Revisão Científica

Dr. João Silva Gonçalves

Dr. João Silva Gonçalves

Hospital Lusíadas Monsanto

Especialidades em foco neste artigo

Especialidades em foco neste artigo

PT