4 min

Obstipação nas crianças: um especial para pais

A obstipação afeta 30% das crianças. Conheça as suas causas, o seu tratamento e também o que pode fazer para a prevenir.

A obstipação é uma situação frequente e afeta 30% das crianças, sendo responsável por cerca de 3 a 5% das consultas de pediatria geral e cerca de 35% das consultas de gastroenterologia pediátrica. A obstipação nas crianças pode surgir em qualquer idade mas, por norma, manifesta-se sobretudo em 3 períodos: na diversificação alimentar (introdução de sólidos ou derivados do leite); na fase de treino do bacio e na entrada para a escola. Contudo, o pico de prevalência ocorre na idade escolar.

Tipos de obstipação

Existem dois tipos de obstipação: a obstipação funcional e a obstipação crónica ou recorrente.

Obstipação funcional

A obstipação funcional ocorre em 90 a 95% das crianças, não se consegue identificar uma causa orgânica e é um problema que exige terapêutica.

Obstipação crónica

A obstipação crónica pode ser causada por doenças neurológicas, endócrino-metabólicas e anatómicas. No entanto, também pode ocorrer como resultado de fatores ambientais, psicossociais ou ambos.

Obstipação nas crianças: causas

O que é a obstipação funcional ou idiopática?

Na maioria dos casos, surge quando a criança começa a associar dor ao ato de defecar e, ao evitar essa dor ou desconforto, impede ou atrasa futuras dejeções. Com a acumulação progressiva de fezes, o reto vai-se distendendo e, lentamente, desaparece a normal urgência para defecar.

Após vários dias de retenção, a criança volta a ter vontade de defecar mas, como tem grande quantidade de fezes duras, a dejeção torna-se dolorosa e inicia-se assim um ciclo vicioso.

É frequente coexistir dor abdominal, perda de apetite, náuseas, vómitos. A incontinência fecal (encoprese) surge a partir dos 4 anos, quando seria expectável o controlo do esfíncter anal. Por vezes, perante um estímulo defecatório, a criança pode adotar uma postura típica que visa impedi-lo (corpo rígido, face pálida, postura em bicos de pés, baloiçando-se para trás e para a frente enquanto cruza as pernas e contrai as nádegas).

O diagnóstico da obstipação funcional é essencialmente clínico e, habitualmente, não são necessários exames complementares. A avaliação deve incluir uma história detalhada dos hábitos alimentares, hábitos intestinais (consistência, cor, frequência, outras características das fezes), acontecimentos associados ao início da obstipação e medicamentos. O tratamento é longo e requer o envolvimento dos pais, da criança e do médico, de modo a promover um plano para uma  evacuação regular.

A consistência das fezes pode ser interpretada pela seguinte escala. As fezes normalmente têm uma cor castanha (devido à presença de estercobilina) e uma consistência moldada assemelhando-se a uma salsicha (Bristol tipo 3 e 4). Na obstipação nas crianças, as fezes são de consistência dura (Bristol tipo 1 ou 2).

Escala de fezes: escala de Bristol para crianças  

Tratamento e prevenção da obstipação nas crianças

O tratamento e a prevenção da obstipação passam por uma dieta rica em fibra e pelo aporte hídrico adequado.

Dieta rica em fibras

Os alimentos ricos em fibras são:

  • Fruta (pera e maçã com casca, ameixa, frutas secas, papaia, kiwi e morangos);
  • Cereais (fibra, farelo);
  • Vegetais (feijão, batata doce).

O que deve evitar:

  • Banana;
  • Arroz;
  • Cenoura;
  • O excesso de leite (> 500 ml/dia) também é obstipante.

Ter um aporte hídrico adequado

A hidratação oral não deve ser esquecida, considerando que a quantidade ingerida deve ser proporcional ao peso da criança. Isto significa que:

  • Para uma criança com 5 kg é necessária a ingestão de 500 ml de fluidos;
  • Para uma criança de 10 kg a ingestão deverá ser de 1000 ml de fluidos;
  • Para uma criança com 20 kg a ingestão deverá ser de 1500 ml de fluidos.

Se se verificar a presença de fezes acumuladas, o tratamento deve iniciar-se com a limpeza do intestino (com medicação por via retal – clisteres/enema), com a duração máxima de uso de uma semana. Relativamente aos laxantes, estes terão de ser obrigatoriamente prescritos pelo pediatra/médico assistente.

Deve ser prevenida a acumulação de fezes com a utilização diária de laxantes (administração oral), alterações dietéticas e aquisição de hábitos intestinais normais através da utilização regular da casa de banho. Considera-se que a sua utilização prolongada é segura e essencial para o tratamento eficaz e que não se associa a dependência ou risco aumentado de cancro intestinal.

Hábitos intestinais adequados

Uma das fases mais importantes do tratamento é a aquisição de hábitos intestinais adequados. A obstipação nas crianças pode ocorrer devido a alterações ambientais ou durante o desenvolvimento expectável, quando a criança começa a ter controlo sobre as suas funções corporais.

As crianças na fase de aprendizagem do treino do bacio não devem ser pressionadas ou forçadas a adquiri-lo precocemente, porque pode criar ansiedade e iniciar o ciclo vicioso da retenção fecal.

As crianças mais velhas devem ser estimuladas a utilizar a sanita ou o bacio, 1 a 2 vezes por dia, principalmente após as refeições (período em que os movimentos intestinais são mais frequentes) e encorajadas a não reter as fezes durante as aulas ou durante os períodos de brincadeira. Pondera-se a redução do tratamento quando a criança adquire hábitos intestinais regulares, sem dor ou medo.

Não obstante, depois dos hábitos intestinais estarem regularizados podem existir recaídas, principalmente com mudanças na rotina ou com stresse, sendo necessário reiniciar o treino. O início da obstipação nas crianças em idade escolar é maioritariamente o resultado de alterações ambientais, stresse e alterações no padrão de evacuação (por exemplo, medo de utilizar a casa de banho da escola; sair de casa à pressa de manhã). É importante o reconhecimento precoce da situação, porque apesar de normalmente não originar complicações, pode diminuir a qualidade de vida da criança, causar problemas emocionais ou situações de conflito ou de stresse na família.

Autoria:
Enfª Claúdia Xavier da Clínica Lusíadas Almada
Enfª Margarida Tomás, coordenadora de Enfermagem do Edifício II do Hospital Lusíadas Lisboa
 

Fontes
UpToDate 2016:

  • Guidelines developed by North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatoly, and Nutricion (NASPGHAN) and endorsed by the American of Pediatrics (AAP): www.naspghan.org
  • Manu R. Sood, FRCPCH, MD; Prevention and treatment of acute constipation in infants and children. Sep 2016

Este artigo foi útil?

PT