O seu filho tem medo do médico?
É normal que as crianças possam mostrar receio do “doutor” ou de “ir ao hospital”, por isso, esse sentimento não deve ser desvalorizado. Mas os pais podem adotar estratégias simples e contribuir para atenuar o medo do médico. O pediatra João Bismarck Pereira, coordenador da Unidade de Pediatria do Hospital Lusíadas Lisboa, explica como.
0-3 meses
Um recém-nascido não tem medo do médico, mas é natural que chore se estiver despido em cima de uma marquesa e for manipulado bruscamente — e vai fazê-lo ainda mais se estiver com fome. Um pediatra experiente vai ter gestos suaves e manter o bebé aconchegado, quando possível com as extremidades fletidas (semelhante à posição fetal), falando numa voz calma para reduzir o stresse provocado pelo exame. Para os pais, um bom truque é levar o bebé à consulta sem fome.
3-9 meses
A partir dos três meses o bebé já interage socialmente com os prestadores de cuidados, mas até cerca dos oito meses, nesta etapa do desenvolvimento, não vai ter medo do estranho, pelo que são consultas em que geralmente este problema não se põe.
9-18 meses
A reação ao estranho e a ansiedade da separação que se pode começar evidenciar em quase todos os bebés nas consultas entre os sete e os nove meses é algo que é contornável mantendo os pais o mais próximo possível como garantia de segurança para o bebé. O bebé pode ser auscultado ao colo do pai, pode ser observado enquanto a mãe lhe fala e dá beijinhos na cara, etc. Pode inclusivamente manter consigo o seu objeto de transição como o peluche, manta, fralda ou outro, que traz com ele para manter alguma consistência entre ambientes. Mais tarde, este mesmo boneco poderá até servir para demonstrar os gestos utilizados na consulta, permitindo ao médico mostrar, por exemplo, como vai auscultar a criança.
A partir dos dois anos (18-24 meses)
Uma criança que foi sempre ao mesmo pediatra acompanhada pelos pais conhece desde que nasceu a rotina da consulta e por regra está perfeitamente à vontade, prevendo sempre os gestos que se seguem sem qualquer medo do médico. A partir dos 18 a 24 meses, a relação entre a criança e o seu médico assistente está habitualmente criada.
A ida às urgências: como contornar o medo do médico
As situações de medo do médico são, a partir daí, mais frequentes em contextos de emergência — especialmente hospitalar. Nesse caso pode ser criada alguma familiaridade se os pais e o médico explicarem que o clínico da urgência é “amigo” do pediatra assistente e que o seu papel é muito semelhante e que ambos vão falar após a consulta.
Mais de 2 anos: conselhos para os pais ajudarem o filho quando este tem medo do médico:
1.
Os pais podem explicar antecipadamente tudo o que vai acontecer na consulta/ida ao hospital. Por exemplo, dizer à criança que o médico vai despi-lo, observá-lo, etc. Os programas infantis que focam o tema, como “o Ruca vai ao médico” ou a “Dra. Brinquedos” e os brinquedos, como os estojos de médicos, podem ser bons aliados.
2.
É importante valorizar o medo da criança, esclarecendo as suas dúvidas com honestidade. Deve aceitar-se que “a vacina dói um pouco, claro...” – “...afinal os pais, irmãos e amigos também não gostam...” — mas há que dizer também que a dor passa depressa e a vacina serve para impedir a necessidade de tratamentos. A valorização do medo do médico vai diminuir francamente a sua intensidade.
3.
A verdade ajuda à confiança. É contraproducente dizer a uma criança que determinado procedimento doloroso “não dói nada” porque, assim que se aperceber da dor, não só a perceção da mesma é aumentada pela ansiedade como a quebra de confiança será difícil de recuperar. A partir desse momento, a ausência de colaboração da criança vai provavelmente levar a uma espiral crescente de ansiedade.
4.
Não mentir é um princípio fundamental, nomeadamente no caso de crianças que foram expostas a exames ou tratamentos dolorosos e cuja confiança terá que ser reconquistada com repetida demonstração de que pode confiar no seu médico. Aqui, a regra de ouro será sempre nunca mentir. (Nenhuma criança a quem foi dito que vai ao jardim zoológico e depois se vê num bloco operatório vai ter facilidade em voltar a um hospital).
5.
É também positivo associar a ida ao pediatra a uma experiência agradável, como ir um parque, uma livraria ou uma geladaria que exista perto do consultório. Dessa forma, o ritual de ir à consulta ou às vacinas poderá ser associado a um ritual mais demorado de “namoro” entre pais e filhos. O que deve ser evitado a todo o custo é associar este programa à condição de “Se te portares bem...” porque isso só vai aumentar o nível de ansiedade e o medo da criança.
6.
Os amigos, familiares, e até os programas de televisão, focam muitas vezes aspetos dolorosos, como vacinas, extrações dentárias ou mesmo exames e cirurgias que se passaram com conhecidos. É frequente a criança ter ouvido alguém falar da consulta médica como algo desagradável. Devem sempre ser evitadas conversas deste tipo perto das crianças. O desconhecimento do que se vai passar na consulta já é, por si só, uma fonte inesgotável para a fértil imaginação da criança criar imagens assustadoras.
7.
A ida ao médico/hospital nunca deve ser referida como um possível castigo. É extremamente pernicioso – e até cruel – a utilização do médico e da “pica” como ameaça para punir maus comportamentos. Uma vez criada esta imagem assustadora, só muito dificilmente será desfeita.
A serenidade dos pais e a sua aliança terapêutica com o médico são também fundamentais. Pais ansiosos agravam a ansiedade dos filhos.
A consulta ideal é aquela em que a criança sente que é ela que necessita de ajuda médica e que os pais lha proporcionem: a consulta é muito mais serena se for possível ser a criança a explicar os seus sintomas, sentindo a confiança dos pais na ajuda do médico.
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Revisão Científica
Dr. João Bismarck Pereira
Coordenador da Unidade de Pediatria