Testemunho: a história de quem conseguiu vencer o cancro
Marta Martins é auxiliar de ação médica no Hospital Lusíadas Porto, tem 22 anos e uma maturidade rara para a idade. Não admira. Em 2004, tinha então 12 anos, Marta viveu o pesadelo de sentir a morte por perto. Na altura já era uma apaixonada pelo atletismo, que praticava com muito empenho e ganas de vencer. Mas, um dia, um inchaço no pescoço começou a trazer-lhe dúvidas: Seria papeira? Seria garganta? Algumas consultas e exames depois, chegou o diagnóstico: linfoma de Hodgkin. Marta, nos seus inocentes 12 anos, só compreendeu do que se tratava quando ouviu a médica perguntar à mãe se os tratamentos seriam feitos em São João ou no IPO do Porto. "IPO???" Foi então que a médica lhe explicou tudo, sem papas na língua. Marta teve a reação normal para a sua idade: "Eu faço tudo menos aquele tratamento que faz cair o cabelo. Isso não me peçam!"
Provas de amor
Foi exatamente por aí que se começou: seis ciclos de quimioterapia, que equivaleram a 12 semanas (uma semana de tratamento, seguida de uma semana de descanso). "Felizmente, nunca tive de ser internada. Como morávamos em Gondomar, muito perto do hospital, pude ir sempre a casa, o que foi um grande alívio", recorda. Marta sempre enfrentou tudo com grande coragem. Lembra com um nó na garganta o dia em que o irmão, sete anos mais novo, afirmou peremptório: "Se a mana vai ficar careca eu também quero rapar o cabelo". E recorda, ainda com esse nó por desatar, o dia em que toda a família rapou o cabelo, mãe incluída: "Foi uma forma linda de me darem força, de dizerem que estávamos juntos naquela luta." A morte não estava propriamente presente, de forma direta, mas a verdade é que Marta Martins ganhou medos reveladores sobre o seu estado de espírito na altura: "Deixei de dormir sozinha. Tinha medo de não acordar. Durante um ano dormi com a minha mãe, e tinha de ter a luz acesa. No fundo, tinha medo de não conseguir lutar por aquilo que eu queria."
Regresso aos treinos
Uma das coisas que mais lhe custou, em todo o processo de tratamento e cura, foi o relógio. Isso mesmo, o relógio. Sempre que chegava a hora do treino (18h), Marta ficava nostalgicamente a olhar para o relógio, lastimando ter de ficar ali, quieta, parada, num repouso que lhe era estranho. Ainda assim, foi só um ano de paragem. Um ano de quimioterapia, radioterapia e recuperação. Mal teve ordem do médico, Marta Martins voltou aos treinos, sua paixão maior. O mesmo médico que chegou a dizer aos pais que talvez a filha não pudesse voltar a correr ainda hoje se surpreende com as suas conquistas: "Sempre que lhe digo que fui a um campeonato da Europa ele diz: 'Miúda, tu és surreal!' Eu rio-me. Não sou nada surreal. Mas ter estado parada, ter estado perto da morte ou, pelo menos, de nunca mais poder fazer atletismo, deu-me uma força enorme. Quando estamos à beira de perder damos sempre mais valor ao que temos."
Eterna aprendizagem
Marta trabalha como auxiliar de ação médica no Hospital Lusíadas Porto há dois anos e adora. "Hoje em dia não dá para viver do atletismo em Portugal e, por outro lado, gosto muito do que faço. É uma profissão em que tenho de lidar com as pessoas, dar-lhes uma palavra de alento, ouvi-las desabafar. E também falo com os médicos e aprendo muito. Também me permite não viver tão obcecada com os treinos. Entro no hospital e desligo-me do atletismo, o que também é bom!" Desliga mas depois torna a ligar, claro. Marta Martins já atingiu o patamar do Alto Rendimento e, por isso, treina todos os dias: "Quando consigo, treino duas vezes por dia. Quando digo às minhas colegas que vou treinar, depois de um dia cansativo de trabalho, chamam-me maluca".
Um mundo de recordes
A atleta não se limitou a vencer a batalha contra o cancro. É também uma vencedora na modalidade que a apaixona. Está entre as melhores da Europa nos dez mil metros e o seu recorde pessoal é de 34 minutos e 17 segundos: "Em 2009, tive a minha primeira internacionalização, no Campeonato da Europa de Corta-Mato, em Dublin. Desde então, fui a todos. Em 2013, fui ao Campeonato da Europa de sub-23 e fui a 13ª nos dez mil metros. Este ano fui a 4ª classificada nos Jogos do Mediterrâneo, em Marselha."
Publicado em Fevereiro de 2015