Mitomania: quando mentir é uma doença
Quando a mentira se torna um vício, uma forma de estar na vida, as histórias deixam de ter graça e as consequências para o bem-estar da pessoa e de todos os que a rodeiam pode ser nefasta. “A maioria das pessoas faz isso por medo mas, mentir compulsivamente, interfere no julgamento racional, no relacionamento familiar e especialmente social”, alerta Júlia Machado, psicóloga do Hospital Lusíadas Porto. Conheça os principais sinais de alarme e os tratamentos para superar este problema.
Mitomania: mentir é doença
A mentira pode ser considerada uma patologia e tem um nome: mitomania. Neste quadro clínico inserem-se as pessoas que contam mentiras compulsivamente. De acordo com Júlia Machado, “este tipo de comportamento é causado por um transtorno/perturbação psicológico/a.
A diferença é que, neste caso, existe uma eventual simulação, omissão ou distorção da verdade que normalmente é praticada por indivíduos saudáveis”. A frequência é o principal sinal de alarme deste problema ao qual deve estar atento. “O mais importante é identificar e reconhecer a mentira como um hábito patológico. A mentira excessiva é um sintoma comum de diversas doenças mentais”, realça.
Mentir, porquê?
Existem várias razões que podem levar uma pessoa a transformar a mentira numa forma de estar na vida. Uma das principais é a necessidade de atenção ou de reconhecimento por parte dos outros, por vezes com o desejo implícito de tirar partido. “Sabe-se que as principais causas da mentira patológica são decorrentes de traços da personalidade, problemas nas relações familiares e experiências stressantes ou traumáticas”.
Por exemplo, “pessoas que sofrem de transtorno/perturbação da personalidade antissocial normalmente mentem para se beneficiar junto dos outros. Alguns indivíduos com transtorno/perturbação de personalidade borderline podem mentir para chamar a atenção, alegando que eles foram mal tratados ou pressionados.”
Principais consequências
As repercussões negativas que a mentira pode ter a nível familiar e social são inquestionáveis. A falta de confiança destrói amizades e relacionamentos e “se a doença continua a progredir, a mentira pode tornar-se tão grave que eventualmente pode causar problemas de ordem social, psicológica e até legal”, alerta a psicóloga. A exclusão é frequente nestas situações, contudo são precisamente as pessoas que rodeiam o mitómano que o podem ajudar.
“Devem fomentar-se sempre comportamentos e atitudes verdadeiras, valorizando-as e, por outro lado, desvalorizar sempre que a pessoa tiver relatos falsos”, aconselha a psicóloga, apesar de admitir que “é difícil estar com a pessoa que tem este transtorno. Devemos sempre incentivá-la a pedir ajuda, a fim de que ela possa reconhecer que está a ter consequências negativas na sua vida”.
Como tratar
O tratamento de problemas associados à mitomania engloba vários profissionais e áreas de intervenção. O diagnóstico da mitomania pode ser feito pelo médico psiquiatra ou psicoterapeuta após uma avaliação psicológica. Na maioria dos casos, “o tratamento envolve acompanhamento psicológico e em pessoas que também apresentem outros quadros psiquiátricos (depressão ou ansiedade) o uso de psicofármacos poderá ser recomendado”.
Fora do consultório, existe um apoio que não deve ser negligenciado: a família e os amigos. Na opinião de Júlia Machado, estes são fundamentais, uma vez que permitem “desenvolver relações mais saudáveis de confiança e conforto, e fazem com que a pessoa recupere o autocontrolo e a autoestima”.
Mudar de atitude
O objetivo principal do médico ou psicólogo é conseguir que a pessoa reconheça “os prejuízos que o seu comportamento pode trazer para si e para terceiros e que queira mudá-lo”, frisa Júlia Machado. Neste ponto, a psicoterapia parece ser um dos métodos mais eficazes pois, como defende a psicóloga: “Ajuda o indivíduo a desenvolver novos comportamentos e hábitos, reforçando relatos verdadeiros e ignorando relatos falsos. Neste contexto trabalha-se a extinção deste hábito disfuncional”.
Brincadeiras de criança
Ocultar a verdade é normal na infância, muitas vezes fruto da imaturidade. Como explica Júlia Machado, “muitas crianças têm dificuldade de enfrentar frustrações e críticas, e acabam por mentir aos pais na tentativa de preservar a autoestima. Essa característica só se torna patológica quando a criança adota um comportamento persistente de mentir (mitomania) e constata que a sua mentira pode ser entendida como verdade sem nenhuma consequência negativa associada.”
A mentira pode ainda proporcionar uma sensação de prazer e poder que pode levar a acentuar este comportamento. “À medida que os amigos acreditam, a criança começa a contar cada vez mais histórias mais incríveis, assumindo a mentira como uma repetição constante na sua vida, sem finalidade específica”, descreve. Baixa-auto estima, supervalorização das crenças, não enfrentamento da angústia ou frustração associada a uma situação, são as principais causas deste tipo de transtorno, segundo a psicóloga.