Vacinas: os factos
O cientista e médico inglês Edward Jenner alterou para sempre a nossa relação com as doenças em 1796 ao usar um vírus parente da varíola, que ataca as vacas, para imunizar pessoas contra a varíola. Em 1980, menos de dois séculos depois, a Organização Mundial da Saúde declarou a erradicação mundial deste terrível vírus que se estima ter morto entre 300 e 500 milhões de pessoas só no século XX. Hoje, pouca gente se lembrará da realidade da varíola, o que revela o triunfo da vacinação. No entanto, este esquecimento abre portas para os grupos anti-vacinas de que ouvimos falar nos últimos meses devido aos mini-surtos de sarampo e de hepatite A que ocorreram em Portugal. A vacinação é uma estratégia inteligente que aproveita as capacidades do nosso sistema imunitário, ativado durante uma infeção causada por um agente patogénico, como um vírus ou uma bactéria. “Perante a ameaça de uma nova doença, o organismo pode ou não ter capacidade de resistir e desenvolver imunidade. O que as vacinas nos ajudam a fazer é a aumentar as nossas possibilidades de repelir com êxito as ameaças condicionadas por uma determinada doença, estimulando o nosso sistema imunitário e, ao mesmo tempo, diminuir a frequência e gravidade das consequências e complicações que se associam a uma infeção e imunidade natural”, explica o médico Filipe Basto, diretor clínico do Hospital Lusíadas Porto. A imunidade natural é adquirida após o contacto com o agente patogénico. No caso do vírus da varíola, os doentes que sobreviviam à infeção não voltavam a ser infetados pelo vírus. Esta imunidade assenta no trabalho dos linfócitos, células do sistema imunitário. Cada linfócito produz anticorpos que reconhecem moléculas diferentes. Quando o vírus da varíola causa uma infeção, os linfócitos entram em contacto com o intruso. Se um dos linfócitos “descobrir” que tem um anticorpo que se liga ao vírus, multiplica-se e novos linfócitos vão enxamear os vírus com anticorpos, facilitando a sua neutralização. No caso de o doente sobreviver à doença, o corpo retém um número elevado destes linfócitos especializados no vírus da varíola. E se a pessoa voltar a entrar em contacto com o vírus, aqueles linfócitos rapidamente ajudam a eliminá-lo, evitando a infeção.
Futuro das vacinas
A vacina usa o mesmo princípio mas sem os riscos da doença, que pode matar ou causar danos graves. “Por regra, as vacinas contêm o microrganismo que provoca a doença, só que de uma forma atenuada, de maneira a estimular os nossos sistemas de defesa, criando uma 'memória' que nos prepara para reconhecer e destruir a infeção caso esta ocorra”, explica o médico. “As vacinas podem ser administradas pela boca, como a vacina da poliomielite, por aerossol, como nalgumas vacinas da gripe, ou por injeção, que é na verdade a via mais comum (no caso do tétano, do sarampo, das meningites e hepatites).” Desde a descoberta de Edward Jenner que muitas outras vacinas foram desenvolvidas. A poliomielite, conhecida por matar alguns doentes e deixar outros paralisados, é outra doença quase erradicada graças à vacinação. Mas o VIH, o vírus responsável pela sida, e o Plasmodium falciparum, um dos parasitas da malária, são dois exemplos de agentes patogénicos mortais que têm desafiado os investigadores. As vacinas experimentais desenvolvidas contra o VIH e o parasita da malária não conseguiram até agora criar a imunidade que evita infeções por estes dois agentes. “As vacinas consideram-se eficazes e seguras se nos permitirem prevenir a doença ou as suas complicações mais sérias, garantindo, ao mesmo tempo, que a sua utilização não condiciona outros riscos significativos para a saúde das pessoas”, explicita Filipe Basto. “O licenciamento das vacinas pressupõe um longo processo de estudo e diversos ensaios clínicos que duram anos e permitem acumular as garantias de eficácia e segurança necessárias. As vacinas que não têm eficácia ou apresentam efeitos secundários muito importantes não chegam a ser comercializadas.” Ainda assim, as vacinas podem conter químicos para as preservar, como o timerosal, que tem mercúrio em doses “muito pequenas”, diz o médico, sublinhando que “não há evidência de que, neste contexto, este composto tenha algum risco para a saúde das pessoas”. No entanto, tal como outras substâncias naturais ou sintetizadas, pode haver a possibilidade remota de alguém ser alérgico. Mas então, porque é que as pessoas temem as vacinas? “Na verdade, as pessoas não temem as vacinas pois a esmagadora maioria da população está adequadamente vacinada”, começa por responder Filipe Basto. “À medida que o perigo das complicações graves das doenças naturais vai desaparecendo pelo próprio efeito da vacinação, alguns grupos desvalorizam este benefício e passam a dar uma importância desmesurada aos riscos, muito menos relevantes, que podem associar-se à administração das vacinas. Cabe-nos a todos contribuirmos para esclarecer as pessoas com dúvidas, percebendo os motivos que lhes estão subjacentes e utilizando as informações e evidências disponíveis que demonstram o inequívoco benefício da vacinação.”