Úlcera péptica: o que é e como se trata
O sistema gastrointestinal inclui a boca, a faringe (parte posterior da boca, ou seja, a garganta), o esófago (que liga a faringe ao estômago), o estômago e o intestino.
A principal função é digerir os alimentos e prepará-los para serem absorvidos. O estômago produz o suco gástrico que é formado pelo ácido clorídrico e outras substâncias que, entrando em contacto com os alimentos, continuam o processo de digestão dos mesmos que já se iniciou na cavidade oral.
O estômago protege-se da ação do suco gástrico através de vários mecanismos, mas nem sempre as defesas conseguem compensar as agressões, podendo assim surgir algumas doenças, entre elas a úlcera péptica.
O que é a úlcera péptica?
A úlcera péptica é uma doença crónica multifatorial que pode ocorrer em qualquer parte do sistema gastrointestinal, mas que afeta mais frequentemente o estômago e o duodeno (primeira porção do intestino).
É caracterizada por uma lesão (ulceração) do revestimento interno do estômago ou do duodeno (mucosa), podendo chegar aos vasos sanguíneos da parede e causar hemorragia (perda de sangue) importante, ou atravessar toda a parede causando uma perfuração. Estas últimas são umas das complicações mais graves da úlcera péptica.
Epidemiologia
A úlcera péptica é um problema bastante comum. Embora existam poucos estudos em Portugal, sabe-se que em todo o mundo afeta cerca de 4 milhões de pessoas por ano (1) e nos Estado Unidos estima-se que cerca de 20 milhões de americanos sofram de úlcera pelo menos uma vez na vida.
Causas
Como já dissemos, as paredes do estômago estão protegidas dos efeitos do ácido que o estômago produz para digerir os alimentos, mas se esta proteção for afetada pode-se formar uma úlcera. As causas mais comuns de úlcera péptica são as seguintes:
-
Infeção por uma bactéria
Infeção por uma bactéria, o Helicobacter pylori (HP), que afeta as paredes do estômago que ficam enfraquecidas e mais sensíveis à ação do ácido, podendo causar a úlcera. A infeção por HP afeta cerca de 60% da população mundial e é responsável por cerca de 80% das ulceras do estômago e 90% do duodeno (2).
-
Uso de anti-inflamatórios
O uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINE’s) e ácido acetilsalicílico (AAS), usados como anti doloríficos e anti-inflamatórios, também afetam as defesas das paredes do estômago, podendo causar a úlcera e as suas complicações, principalmente nos idosos. Em Portugal o consumo de AINE’s/AAS é o dobro do da União Europeia: cerca de 800 mil pessoas consomem este tipo de fármaco diariamente (3).
-
Consumo de alguns medicamentos
O consumo de alguns medicamentos, com por exemplo os anti-plaquetários, usados principalmente nos doentes cardíacos, também podem causar úlceras pépticas.
-
Outros fatores
Existem fatores, chamados de risco, que podem aumentar a probabilidade de desenvolver a úlcera como, por exemplo, a idade avançada, a dor crónica que leva a uso excessivo de anti-inflamatórios, história familiar de úlceras, o tabagismo, o abuso de álcool, a diabetes e o stresse crónico.
Manifestações
Em 70% dos casos a úlcera pode não dar queixas, principalmente nos idosos e nas pessoas que tomam AINE’s, mas pode-se apresentar já com as complicações, como hemorragia ou perfuração (rotura da parede do estômago). Nos restantes casos as queixas mais comuns são:
- Dores abdominais, principalmente na região do estômago, descritas como queimadura, que tendem a ser piores com a ingestão de alimentos no caso da úlcera do estômago ou quando o estômago está vazio, 2-3 horas depois das refeições, no caso da úlcera do duodeno;
- Azia;
- Náuseas;
- Vómitos;
- Sensação de enfartamento;
- Dificuldade na digestão;
- Perda de apetite;
- Perda de peso.
Nos casos mais graves, a úlcera pode evoluir e manifestar-se com as complicações (hemorragia e/ou perfuração) e requerem cuidados hospitalares imediatos:
- Vómitos com sangue;
- Fezes com sangue escuro;
- Perfuração da parede do estômago ou do duodeno com agravamento das dores e rigidez do abdómen.
Diagnóstico
O diagnóstico é feito baseando-se na história do doente, nas queixas, e nos exames complementares, como a endoscopia digestiva alta, ou seja, a visualização direta da mucosa do estômago e duodeno por trâmite de um endoscópio que é colocado pela boca até ao estômago.
Durante a realização da endoscopia além de ver diretamente a úlcera e realizar o diagnóstico, é habitual realizar uma biopsia do tecido, ou seja, são recolhidos pequenos fragmentos para serem analisados, principalmente para confirmar a presença da bactéria HP que, como dissemos, é uma das principais causas da úlcera.
Para confirmar a presença da HP pode-se também realizar outro teste não invasivo, o teste respiratório para HP.
Tratamento
A primeira parte do tratamento é tentar eliminar a causa da úlcera péptica, ou seja, dos fatores de risco como, por exemplo, limitação do uso de AINE’s, além da toma de antibióticos se exames positivos para infeção ao HP. Além disso, o tratamento continua com a toma de medicamentos para proteger o estômago e aliviar as queixas associadas a úlcera.
Os medicamentos mais utilizados são os antiácidos, para o alívio das queixas das dores associadas à úlcera e aos inibidores da bomba de protões e dos recetores H2, importantes para reduzir a produção de ácido a nível do estômago.
Consoante a gravidade da úlcera e/ou a presença de complicações poderá ser necessária uma cirurgia. Uma dieta correta faz parte integrante do tratamento das úlceras como, por exemplo, incluir alimentos ricos em fibras, como frutas e vegetais, e eliminar a ingestão de alimentos ácidos ou picantes, que podem agravar os sintomas da úlcera. Também o café, o tabaco e o álcool deveriam ser eliminados, porque aumentam a produção de ácido no estômago agravando as queixas.
Prevenção da úlcera
A prevenção passa pelo controlo dos fatores de risco que já referimos, principalmente na diminuição do uso dos anti-inflamatórios e do tratamento da infeção do HP.
1 Thorsen et al, 2013
2 Zapata-Colindres et al., 2006
3 Couto et al., 2010