Doença de Crohn: o que é, os sintomas e os tratamentos
A doença de Crohn é uma patologia inflamatória que afeta o tubo digestivo e que pode provocar dores abdominais, diarreia, mal-estar, anemia e desnutrição. Ainda há muito por compreender sobre este processo inflamatório que se transforma numa doença crónica.
“Não existem causas definidas para a doença de Crohn, considerando-se atualmente que é uma doença autoimune. Há uma reação exacerbada do sistema imunitário”, explica Maria João Moreira, médica gastrenterologista do Hospital Lusíadas Braga. Neste artigo, vamos abordar o que é a doença de Crohn, os sintomas e os tratamentos possíveis.
Causas: da genética ao ambiente
A doença de Crohn tende a surgir sobretudo nos indivíduos jovens, entre os 17 e os 39 anos, de qualquer sexo, apesar de haver uma segunda vaga de incidência em pessoas a partir dos 50 anos. Estima-se que a prevalência da doença em Portugal seja de 70 por 100.000 habitantes. Por razões desconhecidas, eventualmente em resposta a algum fator externo, o sistema imunitário inicia um ataque descontrolado no tubo digestivo. Os especialistas acreditam que este ataque é o resultado de uma interligação entre a genética de cada pessoa e o ambiente.
“Há um terreno genético que favorece o aparecimento da doença de Crohn”, explica a gastrenterologista Maria João Moreira. Mas tem de existir algo que faça desencadear a reação imunitária exacerbada.
“Presume-se que os fatores ambientais, nomeadamente alimentares, sejam preponderantes na origem da doença, mas não estão especificados.” O que se sabe é que a incidência da doença tem aumentado: “Desde meados do século passado até ao momento atual tem havido um crescimento do número de casos, de incidência da doença.”
Como a genética das populações não se alterou num período tão curto de tempo, os cientistas têm analisado as mudanças do ambiente que poderão estar a ter um papel determinante neste crescimento de casos.
Uma das hipóteses é o aumento do consumo de alimentos processados, com ingredientes artificiais, que podem estar a desencadear respostas inflamatórias.
Outra hipótese aponta para o ambiente cada vez mais higienizado onde as crianças crescem. Ao evitar-se que as crianças entrem em contacto com os agentes patogénicos existentes na terra e na sujidade, impede-se que o sistema imunitário crie as defesas na altura certa. Mais tarde, quando os jovens são expostos aos agentes patogénicos pela primeira vez, a reação do sistema imunitário acaba por ser exacerbada, provocando doenças autoimunes como a doença de Crohn, avança esta teoria.
O processo inflamatório
Apesar de surgir frequentemente na última porção do intestino delgado e no cólon, a doença de Crohn pode aparecer em qualquer região do tubo digestivo (boca, esófago, estômago, duodeno, intestino e reto).
O processo inflamatório começa por acontecer na mucosa – a camada superficial do tubo digestivo – com a formação de úlceras, mas pode atacar em profundidade os vários tecidos constituintes do tubo digestivo. “Em alguns casos essas úlceras são muito profundas e podem originar o aparecimento de fístulas (fissuras)”, explica Maria João Moreira.
Além disso, podem surgir apertos no tubo digestivo, ou seja, os tecidos ficam inchados e fazem diminuir o calibre daquele segmento do tubo. “A cicatrização das ulcerações também pode provocar apertos devido à cicatriz”, diz a médica. “Em alguns doentes, podem surgir abcessos no abdómen e abcessos da região perianal – mais superficiais -, que originam uma diminuição da qualidade de vida das pessoas.”
Sintomas da doença
A doença de Crohn provoca com frequência anemias e défices nutricionais. O ferro e outras vitaminas acabam por ser menos absorvidos pelo organismo. Além disso, existem sintomas mais evidentes e frequentes como a diarreia, a dor abdominal, além da febre, a perda de peso e a fadiga.
Em alguns doentes há manifestações da inflamação noutras regiões do corpo fora do tubo digestivo: dores articulares, a inflamação articular, inflamação ocular e algumas manifestações cutâneas. “A etiologia é a mesma, mas é manifestada em outros órgãos”, explica a especialista.
Diferenças entre Crohn e colite ulcerosa
É importante distinguir a doença de Crohn da colite ulcerosa, outra doença inflamatória crónica que ataca o tubo digestivo e que tem parecenças com o Crohn. No entanto, há algumas diferenças importantes.
“As partes genéticas associadas a uma e a outra são distintas”, refere a médica. A colite ulcerosa só atinge o cólon e o reto. Além disso, existe quase sempre diarreia com sangue na colite ulcerosa, enquanto na doença de Crohn esse sintoma é menos frequente. Por outro lado, “enquanto o Crohn pode afetar todas as camadas da parede do intestino, a colite, na maior parte dos casos, afeta apenas a mucosa”, acrescenta a médica.
Diagnóstico
O primeiro passo para o diagnóstico de um doente com sintomas associados à doença de Crohn é a análise do sangue e das fezes. A partir do sangue, é possível avaliar se a pessoa está com anemia, se tem défices nutricionais e vitamínicos e se tem fatores inflamatórios associados ao Crohn.
Já as fezes permitem excluir outras doenças, como infeções por parasitas e por bactérias. Além de também sinalizarem a existência de uma inflamação.
O passo seguinte é identificar onde é que a doença está a atuar no tubo digestivo. Para isso, é necessária a realização de endoscopias, principalmente a colonoscopia, que permite observar a região do intestino onde o Crohn aparece com mais frequência. “[A colonoscopia] permite uma observação direta dos tecidos e a colheita de biópsias para a análise histológica dos tecidos que caracterizam a inflamação”, explicita a médica. A biópsia permite analisar as alterações provocadas pela doença e excluir outras causas para a inflamação.
São ainda usados exames de imagem como a ressonância magnética, a tomografia computorizada (TAC) e a cápsula endoscópica (possibilita obter imagens de todo o intestino), para avaliar a extensão da doença.
Tratamentos, cirurgia e prognóstico
Não há cura para a doença do Crohn. Para já, existem vários tratamentos disponíveis que têm como objetivo travar a agressão ao sistema imunitário. Em muitos casos, consegue-se controlar a doença, evitando que as pessoas tenham crises durante longas temporadas.
Os tratamentos são feitos com recurso a vários fármacos, alguns com efeitos imunomoduladores ou imunossupressores. Os primeiros regulam o sistema imunitário e os segundos suprimem-no. Os corticosteroides, os mais antigos, são moléculas eficazes em bloquear a atuação do sistema imunitário.
No entanto, estes fármacos têm vários efeitos secundários, alguns dos quais permanentes, além de deixarem o sistema imunitário enfraquecido e o organismo mais vulnerável a outras infeções, pelo que se deve evitar a sua utilização prolongada.
No fim do século passado surgiu o primeiro tratamento biológico: anticorpos que diminuem a inflamação e reduzem as complicações da doença no tubo digestivo, tendo um impacto imunomodulador.
Nos últimos anos, a oferta de anticorpos contra o Crohn aumentou. “Não existem tratamentos com taxas de respostas 100%, mas há cada vez mais a possibilidade de tratamentos imunomoduladores”, garante Maria João Moreira, acrescentando que a variedade atual de tratamentos biológicos permitiu que pessoas que antes não respondiam a um tratamento biológico passassem a responder aos novos fármacos.
Ainda assim, o prognóstico pode variar. “Existe uma parte dos doentes que tem um curso relativamente benigno. Na generalidade, quanto mais tardio for o aparecimento dos sintomas, menos agressiva é a doença”, explica a médica. Mas há doentes que vivem períodos em que o Crohn se agudiza e outros períodos em que a doença fica adormecida.
E há uma pequena parte dos doentes que não responde aos tratamentos de última linha. Sabe-se que o consumo de tabaco dificulta a resposta aos tratamentos, mas no geral ainda é um mistério por que razão um doente melhora com o recurso a fármacos e o outro não.
Quando os tratamentos não funcionam ou quando existe uma complicação da doença, como um abcesso ou um aperto do intestino, que provoca obstrução dos alimentos e dor abdominal, é necessário recorrer à cirurgia, com a remoção de um segmento de intestino.
A cirurgia “faz com que a doença fique controlada”, diz a especialista. Mas “há uma elevada recidiva nos segmentos junto” ao local intervencionado, avisa a gastrenterologista. Por isso, é necessário haver uma vigilância ativa logo após a intervenção e, caso a inflamação volte, um tratamento imediato para “diminuir o risco de uma nova cirurgia”.