A importância da medicina preventiva na fertilidade futura
Em que consiste a infertilidade?
A classificação atual difere um pouco da clássica definição da OMS, que considera a infertilidade “uma falha em conseguir uma gravidez após 12 meses de relações sexuais regulares e desprotegidas”.
“Hoje em dia, esta condição é muito mais abrangente”, nota a Dra. Daniela Sobral, especialista em Medicina da Reprodução do Centro de Procriação Medicamente Assistida (PMA) do Hospital Lusíadas Lisboa. A infertilidade é uma doença ou limitação da capacidade reprodutiva individual ou de um casal e o diagnóstico não é necessariamente clínico. Pode ser simplesmente reconhecido o défice reprodutivo do casal ou da pessoa.
Existem causas femininas, masculinas e mistas. Há ainda a infertilidade de causa desconhecida responsável por até 30-40% dos casos. As percentagens das diferentes causas dependem do tipo de investigação que é realizada.
Qual é a realidade e contexto deste problema em Portugal?
Segundo os resultados do AFRODITE (2009), o primeiro estudo epidemiológico sobre infertilidade realizado em Portugal, 9 a 10% dos casais portugueses sofriam de infertilidade ao longo da vida. Atualmente esse número é de 15% da população em idade reprodutiva, o que corresponde a cerca de 300.000 casais inférteis.
O Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CPNMA) revelou que o uso das várias técnicas de Procriação Medicamente Assistida (PMA) resultou no nascimento de 2797 crianças em Portugal no ano da pandemia (2020), o que representa 3,3% do número total de crianças nascidas no nosso país nesse ano.
De um ponto de vista demográfico, estamos atualmente abaixo dos valores necessários para a renovação geracional.
Prevenção da infertilidade na adolescência
A prevenção deve começar na adolescência. É nesta fase que se vai determinar a fertilidade futura, tanto do homem, como da mulher.
Entre os 15 e os 16 anos é importante que as raparigas façam a primeira consulta de ginecologia, na qual serão partilhados conselhos básicos que serão fundamentais para maximizar a fertilidade futura. No caso dos homens, existem consultas de pediatria até aos 18 anos que podem ajudar a informar sobre o que fazer para otimizar a sua saúde reprodutiva.
É nestas idades que se deve dar informação sobre o impacto do peso, dieta, exercício e hábitos na fertilidade e incentivar o uso do preservativo para prevenir as infeções sexualmente transmissíveis, que podem levar a infertilidade por patologia tubária.
Quando é feito o diagnóstico da infertilidade?
O diagnóstico deve ter em conta a idade da mulher, principalmente a partir dos 35 anos. Após esta idade, deve ser procurada ajuda médica após 6 meses de tentativas de gravidez sem sucesso. Depois dos 40 anos esse apoio pode ser procurado ainda mais cedo.
Mesmo em idades mais jovens pode ser indicado recorrer a uma avaliação imediata quando há suspeita de fatores que possam interferir com a fertilidade feminina ou masculina.
Que doenças ou patologias podem interferir com a fertilidade?
Alguns antecedentes como a quimioterapia, a radioterapia ou outras terapêuticas e algumas patologias ou cirurgias podem interferir com a fertilidade.
Casos de oligomenorreia (ciclos menstruais raros), amenorreia (ausência de menstruação) ou suspeita de patologia uterina, tubária ou peritoneal, como por exemplo a endometriose, podem igualmente resultar numa diminuição da fertilidade.
A disfunção sexual, por exemplo, produz também efeitos negativos na fertilidade do casal. O adiar da maternidade diminui a probabilidade de gravidez e também a sua evolução de maneira saudável.
Que outros fatores podem influenciar negativamente a fertilidade?
A fertilidade é afetada pelas alterações do peso (tanto a obesidade como a magreza), o exercício excessivo, o tabaco, consumo de drogas, álcool e café e por alguns fármacos ou mesmo substâncias naturais. O stress e a diminuição das horas de sono também têm interferência.
Para além disso, a Dra. Daniela Sobral identifica outros fatores que têm impacto na fertilidade:
- A exposição a poluentes ambientais e toxinas;
- Nos homens, a exposição dos genitais externos a temperaturas elevadas pode alterar a qualidade do esperma.
Como se pode prevenir a infertilidade?
“Conhecimento é poder. Deve haver cada vez mais informação sobre o declínio da fertilidade com a idade” explica a médica.
Mas será que mudar de estilo de vida pode ajudar a prevenir a infertilidade? Para a especialista, a resposta é sem dúvida um "sim”.
Em resumo, existe um conjunto de medidas que podem ajudar a prevenir a infertilidade:
- Cessação tabágica e redução do consumo de substâncias como o álcool e drogas: é importante alertar a população para os efeitos do consumo de substâncias como o tabaco, o álcool e as drogas, que para além de resultarem numa diminuição da fertilidade aumentam a probabilidade de ocorrência de abortos e de problemas na criança.
- A obesidade e a magreza extrema: estes dois extremos podem resultar num declínio na fertilidade, e é importante explicar que têm impacto na saúde reprodutiva em ambos os sexos. A manutenção de um peso saudável é essencial. O casal potencia-se entre si – um casal obeso diminui a sua fertilidade exponencialmente.
- Prática de exercício físico de forma moderada: quando um casal está a pensar engravidar, é importante manter a prática de exercício físico, mas de forma moderada. Um nível de exercício muito intenso não é favorável pois pode causar alterações espermáticas no homem e alterações hormonais graves na mulher. É frequente a prática de exercício físico estar associada à toma de algumas substâncias que são muito prejudiciais e que diminuem acentuadamente a fertilidade tanto feminina como masculina.
- Dieta mediterrânica: dieta saudável e equilibrada que inclui frutas, vegetais, azeite, peixes e carnes. Uma alimentação saudável contribui para a fertilidade feminina e masculina. Dietas muito restritivas, associadas a stress e exercício físico excessivo são uma tríade muito prejudicial à fertilidade, e algo a evitar, segundo a médica.
- 7/8 horas de sono de qualidade é o mais aconselhado para quem quer engravidar.
A médica realça ainda a importância do sono de qualidade e da saúde mental, e deixa o alerta para o impacto dos hábitos da mulher grávida na fertilidade futura do filho(a).
Tratamentos para a fertilidade: que opções existem, como funcionam e quem pode recorrer a estas alternativas?
Os tratamentos são individualizados e personalizados de acordo com o fator de infertilidade e a idade. Pode estar indicada a indução da ovulação, inseminação intrauterina, FIV, ICSI ou doação de gametas ou de embriões.
Quando não é possível avançar com a gravidez numa idade mais jovem, pode ser ponderada a preservação do potencial reprodutivo que deve ser realizada idealmente antes dos 35 anos na mulher.
A preservação do potencial reprodutivo deve ser sempre ponderada antes de qualquer procedimento que tenha risco de reduzir a fertilidade futura.
O CNPMA define a preservação do potencial reprodutivo como o processo de conservação de gâmetas (ovócitos ou espermatozoides) ou tecidos reprodutivos (ovocitários ou testiculares), para utilização futura, quando se pretender tentar que ocorra uma gravidez.
É importante perceber que armazenar ovócitos, espermatozoides e tecido ovárico não é garantia para a obtenção de uma gravidez. Estas técnicas garantem uma reserva de células reprodutoras que poderão vir a ser utilizadas no futuro através de técnicas de PMA.
Relativamente à utilização futura de tecido ovárico o processo difere. Apesar desse tecido poder conter um grande número de ovócitos, estes encontram-se muito imaturos, e não podem ser utilizados em procedimentos de PMA. O tecido ovárico terá de ser transplantado na própria pessoa, para que os ovócitos amadureçam por um período de vários meses, podendo até não ser necessário o recurso a técnicas de PMA.
A preservação do potencial reprodutivo pode ser realizada:
- em situações oncológicas ou outras doenças graves (ex.: doenças autoimunes) que possam interferir com a fertilidade;
- na presença de doença genética que possa diminuir a fertilidade como o Sind Turner na mulher ou o Sind de Klinefelter no homem;
- depois de uma cirurgia que comprometa a capacidade reprodutiva (ex.: cirurgia testicular; cirurgia ovárica em, por exemplo, situações de endometriose);
- em situações de mudança de sexo;
- antes de uma vasectomia;
- a mulheres sem projeto reprodutivo imediato que pretendam diminuir os efeitos negativos da idade na quantidade ou qualidade dos ovócitos (aos 37 anos a mulher já perdeu 90% dos seus ovócitos, ocorrendo uma diminuição da quantidade e qualidade dos mesmos).
Uma área de saúde que exige o melhor dos cuidados
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